quarta-feira, 27 de março de 2013

Bike IT! Uma ideia pra lá de criativa

Blumenau é uma das cinco cidades do país a implementar uma nova ferramenta destinada aos ciclistas e feita por ciclistas, o site: BikeIT! (www.bikeit.com.br/Blumenau).

BikeIT! é um site colaborativo destinado a estimular a boa relação entre o ciclista e a sua cidade, através de comentários postados no site, que tem como plataforma o mapa da cidade. Cidadãos-ciclistas poderão divulgar estabelecimentos que são acolhedores e simpáticos aos usuários de bicicleta no espaço urbano. E também aqueles que não são, ou seja, que não oferecem estrutura mínima aos ciclistas. A ideia não é fazer uma caça às bruxas, mas sim fazer com que os estabelecimentos se atentem para a importância do incentivo ao uso da bicicleta e ofereçam melhores condições aos ciclistas, como paraciclos adequados e quem sabe até dar descontos, brindes ou fazer ofertas para quem vai ao estabelecimento de bicicleta. A intenção é incentivar os empresários a oferecer estrutura adequada e assim ganhar o selo BikeIT! de estabelecimento amigo do ciclista. Em contrapartida, os usuários do BikeIT!  darão privilégio àqueles locais que são amigos dos ciclistas!


Poderão ser avaliados os mais diversos estabelecimentos: lojas, lanchonetes, bares, restaurantes, supermercados, academias, shoppings, escolas, universidades, prédios públicos e privados, parques, museus, áreas de lazer, hospitais, farmácias, etc. O único objetivo do BikeIT! é ajudar a melhorar a qualidade dos serviços oferecidos aos ciclistas e, assim, contribuir para a ampliação e consolidação do uso da bike em espaços urbanos.
Essa ideia partiu do Coletivo Cru (http://coletivocru.tumblr.com), de São Paulo, um grupo de ciclistas que se dedica a projetos e ações destinadas a promover a cultura da bicicleta. Esse coletivo fez o site na cara e na coragem e agora está oferecendo a plataforma gratuitamente para todas as cidades que tiverem interesse em implantá-la. O Coletivo já ganhou premiação em dinheiro pelo projeto e agora pretende lançar-se no ‘catarse’ para arrecadar fundos para aprimorar o site e desenvolver um aplicativo para celulares.
Em Blumenau, o projeto foi impulsionado pela ABC Pró-Ciclovias, com apresentação feita pelo presidente Thiago Duwe, e está em pleno funcionamento desde o dia 18 de março. O site é colaborativo, a participação é gratuita e aberta a todos os ciclistas.
Todos ganham com essa iniciativa, sobretudo a cidade, que poderá ter um olhar autoavaliativo e poderá implementar melhorias aos cidadãos e visitantes ciclistas e pedestres. E quem sabe motoristas mais conscientes.
  
 Contribua, cidadão ciclista!
Basta enviar um e-mail para blumenau@bikeit.com.br, com a avaliação. É bem simples: basta você contar, em um parágrafo, aonde foi com sua bike e como foi recebido/a no estabelecimento/instituição. Havia algum tipo de estacionamento para bike? Era seguro e protegido contra a chuva? Se não havia, ofereceram-lhe alguma alternativa? Você foi tratado/a com gentileza pelos funcionários quando apareceu com a  bicicleta ou eles o/a atenderam de má vontade? Há algum aspecto positivo/negativo que você gostaria de ressaltar? No fim de sua avaliação, diga-nos qual status você dá ao estabelecimento: APROVADO, REPROVADO, BIKEIT!, sendo o status BIKEIT! a avaliação máxima, que faz o estabelecimento/instituição ser um local receptivo ao ciclista. Não se esqueça de nos fornecer o nome completo do estabelecimento, gênero (bar, restaurante, supermercado, instituição de ensino, repartição pública, área de lazer, etc.) e, se possível, algum site, email ou telefone. É possível enviar foto do local, também! Os comentários serão moderados pela equipe bike it e o estabelecimento avaliado receberá um e-mail informando a aprovação ou não do seu local.

 

Publicado originalmente no Portal Blumenews, de Blumenau (www.blumenews.com.br), onde a autora é colunista.


quarta-feira, 20 de março de 2013

Brasil, um país de todos?

Tenho visto circular no facebook diversos compartilhamentos de pessoas que, usando de má-fé, vêm discursando e repassando textos de conteúdo flagrantemente falso, a fim de buscar apoio popular para a rejeição da proposta de casamento civil igualitário no Brasil. Essa resistência deve-se também à falta de discernimento e conhecimento: os homossexuais não estão exigindo que as igrejas realizem casamentos religiosos; mas que o Brasil regulamente o casamento civil, oficializado nos cartórios.


Infelizmente, muitos sequer conseguem estabelecer diferenças práticas entre religião e garantia de direitos civis. Apenas para citar um exemplo: algumas religiões pregam que o casamento é um sacramento indissolúvel “até que a morte os separe”, mas o Estado assegurou por lei, também a esses mesmos fiéis, o direito de divórcio e partilha de bens. Portanto, não há lógica em impedir o casamento civil, divórcio e partilha de bens de casais homossexuais, pois o objetivo fundamental é assegurar os direitos civis resultantes dessa relação: herança, pensão por morte do cônjuge, partilha de bens, entre outros, justamente porque um Estado laico deve garantir os direitos civis a todos os seus cidadãos, sem distinção. 

O casamento civil traz uma série de consequências jurídicas e direitos que hoje não são reconhecidos aos casais homossexuais sem que os mesmos passem por longas batalhas judiciais ou administrativas.  Alguns exemplos: 

- Mesmo trabalhando e contribuindo para a previdência (INSS) como qualquer cidadão, o homossexual só tem direito a pensão por morte do companheiro se provar cabalmente a relação, mediante documentos e testemunhas, tornando o acesso a esse benefício mais difícil do que uma simples cópia de certidão de casamento. 

- Mesmo trabalhando e pagando seus impostos como qualquer cidadão, o homossexual que ficou viúvo poderá ter muitas dificuldades em receber herança do companheiro falecido: se não conseguir provar judicialmente a relação (que pode levar anos!), tudo o que está no nome do parceiro falecido fica com a família deste. E se provar a relação ou se o casal assinou o termo de união estável - o cônjuge sobrevivente só fica com 1/3 dos bens do falecido, enquanto que um casamento civil assegura que o cônjuge fique com 50% dos bens do falecido. 

Vocês acham justo um casal ao longo da vida trabalhar, construir um patrimônio e quando um deles falecer a família vir tomar os bens que não ajudou a construir? A partilha de bens numa separação também pode vir a ser um problema: se o casal adquire um veículo – que só pode ficar no nome de uma pessoa, é necessário provar judicialmente que a outra pessoa contribuiu para adquirir aquele bem (no caso de casamento civil sob o regime de comunhão parcial de bens, a lei e o Estado reconhecem diretamente como bem do casal, devendo ser dividido o valor do bem). 

Em muitos países e estados o casamento civil igualitário já foi aprovado – Holanda (2001), Bélgica (2003), Massachussets/EUA (2004), Espanha (2005), Canadá (2005), África do Sul (2006), Connecticut/EUA (2008), Noruega (2009), Suécia (2009), Iowa/EUA (2009), Vermont/EUA (2009), Portugal (2010), Cidade do México/DF (2010), Islândia (2010), Argentina (2010), Nova Iorque/EUA (2011), Washington/EUA (2012), Maryland/EUA (2012), Dinamarca (2012), Maine/EUA (2012) e agora na França (2013). 

Na Inglaterra - um país monárquico e não laico - a rainha Elisabeth II, no alto dos seus 86 anos, se pronunciou em defesa dos direitos dos gays - e o governo britânico já enviou ao Parlamento um projeto de lei para a legalização do casamento, que já foi aprovado e agora está aguardando a análise e votação na ‘Câmara dos Lordes’. A secretária de cultura daquele país, responsável por questões sobre igualdade, afirmou que a lei vai autorizar a realização de casamentos entre pessoas do mesmo sexo no civil, assim como no religioso, se as religiões optarem por isso: “se um casal deseja mostrar seu amor e comprometimento mútuo, o Estado não deve ficar no seu caminho. Para mim, a extensão do casamento para casais do mesmo sexo vai fortalecer, e não enfraquecer, esta vital instituição”. A lei inglesa também vai assegurar que organizações religiosas ou sacerdotes que se recusarem a casar pessoas do mesmo sexo não poderão ser processados por discriminação.

Assim como a Igreja não pode interferir nos assuntos de Estado e na garantia de direitos a todos, não pode também o Estado interferir nos assuntos da Igreja. É uma questão, sobretudo, de maturidade.

Vergonhosamente, no Brasil – um país que se diz do futuro! – os casais homossexuais ainda ficam sujeitados à aprovação de seus direitos pelo Judiciário - agora retrocedendo ainda mais, por conta da posse de um pastor evangélico fundamentalista na presidência da comissão de direitos humanos da Câmara. Infelizmente, só em alguns estados brasileiros houve a regulamentação do casamento civil homossexual. Em alguns outros, há a mera permissão, sem regulamentação.

Não se pode conceber que um Estado laico e democrático de direito trate a todos os cidadãos igualmente em obrigações e os diferencie em direitos. Não se pode conceber que partidos políticos tratem esse assunto como plataforma política. Mais inadmissível ainda, é ver alguns partidos de esquerda corroborando com o novo tipo de ‘voto cabresto’, negociando e pedindo apoio político de alguns líderes religiosos para conseguir o voto de centenas de milhares de eleitores-ovelhas, como já me disse a historiadora Carla Fernanda da Silva.


Nenhum Estado deveria decidir quem pode ou não pode se casar: qualquer tipo de proibição nesse sentido é uma violência.


Publicado no Portal Blumenews, de Blumenau,  Portal Desacato, de Florianópolis e no blog nossos tons, dentro do portal www.gay1.com.br.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Os Militantes do Ódio


Está cada vez mais comum ‘ver’ nas redes sociais pessoas destilando seu ódio às diferenças humanas, muitas covardemente escondidas sob o manto do anonimato. Ainda não damos a devida atenção a essa prática - e ingenuamente a ignoramos, entendendo que estes indivíduos não passam de pessoas inofensivas.

De fato, eles não são. Vamos fazer uma breve análise para percebermos como o ‘ódio virtual’ tem se transformado, numa velocidade assustadora, em violências reais aterrorizantes. Os militantes do ódio iniciam sua violência virtual por meio de comentários preconceituosos em páginas diversas: jornais de grande circulação, blogs, redes sociais, etc.; Começam anônimos, mas hoje parece haver um ‘pacto antiético’ que muitos nem se importam mais com o anonimato e, claro, a certeza da impunidade. Observando os movimentos desses indivíduos na internet, percebemos que a incitação à violência não para por aí. A emoção de poder expor seu ódio publicamente não basta: é necessário procurar outros iguais – e é nas redes sociais que eles se encontram. Começam os primeiros contatos, mensagens privadas, compartilhamento de fotografias, vídeos e textos que propagam preconceitos de todos os tipos e estimulam ainda mais o ódio.


Depois de um tempo as conversas já não são mais suficientes, então criam páginas, blogs e perfis no facebook. Alguns elaboram textos, manifestos e compartilham na rede. Outros chegam a postar vídeos no youtube. Nestas páginas e redes sociais, iniciam ataques pessoais aos militantes de direitos humanos, feministas, líderes de movimentos LGBT, negros, estrangeiros, etc., enfim, aqueles que defendem as ‘minorias’. Depois de um tempo, esses ataques virtuais já não são mais suficientes. 

Como há muito tempo esses indivíduos estão vivendo num mundo irreal, inventado e alimentado por delírios e ódios compartilhados pelo grupo, chega um momento em que eles precisam elaborar e colocar planos em ação. Entre os militantes do ódio também há uma competição pra ver quem será o mais corajoso - aquele que realizará o primeiro gesto de violência física. É quando estes militantes do ódio vão para as ruas para agredir ou estuprar, ou mesmo matar aqueles que são objeto do seu ódio.

No mês passado (fevereiro/2013) saiu uma das sentenças mais esperadas pela comunidade on line e movimentos sociais que lutam contra crimes de ódio que se alastram pela internet numa velocidade avassaladora. Trata-se do julgamento de dois homens, um de Curitiba/PR (engenheiro de 32 anos) e outro de Brasília/DF (formado em ciências da computação pela UnB, de 26 anos), que estão presos desde março de 2012 e agora foram sentenciados a 6 anos de prisão por incitar a violência e ódio aos negros, judeus, nordestinos, homossexuais e mulheres na internet. Dessa decisão ainda cabe recurso, mas o juiz determinou que permanecessem presos até o trânsito em julgado do processo.

Os dois mantinham um site que ensinava, inclusive, como abusar sexualmente de crianças e estuprar mulheres. Também se referiam às mulheres em geral como ‘merdalheres’. E, pasmem, um deles é casado!  O site se tornou viral (milhares de pessoas passaram a acessá-lo). Um dos sentenciados, aparentemente em viagem à Nova Délhi/India, realizou filmagem e postou no youtube todo o seu discurso de ódio pelos humanos negros, gays, mulheres, nordestinos e indianos. Segundo trechos da denúncia feita pelo Ministério Público e citados na sentença, alguns dos dizeres foram esses: ‘estado de preto é sujeira, como estado inerente da mulher é a prostituição’, ‘o estado natural do homem branco é o trabalho, é a limpeza’, referindo-se aos negros como ‘macacos’, ‘animais’, cujas relações sexuais mantidas entre estes e ‘loiras miscigenadoras’ implicam em ‘zoofilia’. ‘A prostituição é inerente ao caráter feminino, e eu completo dizendo que a sujeira é inerente ao caráter negro e do pardo, então eles fazem uma combinação mortal’. Os nordestinos também não escaparam: ‘uma alemã idiota lá na Bahia, ela casou com um baiano, um nordestino cabeça chata, cara de macaco puro, véio, cara, dava nojo quando eu vi ele, a foto dele’. Falando sobre os indianos em Nova Délhi, ele afirmou: ‘Aqui só tem um bilhão e quinhentos milhões de animais, não seres humanos. Seres humanos eu poderia falar que são 3% da população, que acabou adquirindo costumes europeus, isso é normal, uma ínfima parcela, mas e o restante, e o restante que não dá certo? Será que vale a pena ficar misturando assim as coisas?’.

Foram mais de 65 mil denúncias ao SaferNet – organização que luta para defender os direitos humanos na internet – que informou à Polícia Federal, quando então o Judiciário expediu mandado de prisão e de busca e apreensão de materiais desses indivíduos. Segundo a polícia, ambos estavam planejando um ataque, logo após o carnaval/2012, a estudantes da Universidade de Brasília (UnB), pois foi encontrado um mapa de uma casa de eventos que serve de local de reunião dos alunos. ‘Há indicativos de que haveria um ataque após o Carnaval. As mensagens dizem que dariam um tratamento àquele 'câncer', fazendo referência aos estudantes, quando eles estivessem reunidos no local’, disse o delegado Wagner Mesquita, da PF no Paraná.

Fazendo uma breve pesquisa na internet, encontrei inúmeros casos de agressões motivadas por preconceito e ódio, selecionando os mais recentes. Não tenho dúvidas que os militantes do ódio são os responsáveis – diretos ou indiretos – pela ocorrência ou encorajamento dessas agressões, muitas vezes em plena luz do dia, em espaços públicos e na frente de muitas pessoas que, por medo, preferem não interferir. Só pra citar alguns casos:

Ø     A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República enviou no mês de setembro/2012 uma missão especial para Curitiba/PR, a fim de colher o depoimento de 15 ativistas LGBT que foram ameaçados de morte nos últimos meses na cidade. Todas as ameaças têm cunho homofóbico, com perfil de crime de ódio e as ameaças vem acompanhadas de requintes de crueldade.
Ø       Em Brasília/DF, uma estudante de Agronomia da UnB foi espancada e chamada de “lésbica nojenta” no estacionamento do campus, em 20/02/2013. Nesse mesmo dia, uma briga entre um casal de mulheres acabou envolvendo a polícia e terminou com dedos amputados de uma delas e acusação de homofobia contra os policiais, em Valparaíso, no Entorno do Distrito Federal.
Ø    Também estão aumentando as agressões a casais gays em todas as cidades – os mais noticiados atualmente são aqueles que ocorrem nos metrôs de São Paulo.
Ø   Em Queimadas/PB, dez homens foram presos por envolvimento no estupro coletivo de cinco mulheres – e na morte de duas delas – ocorrido no dia 12/02/2012. Segundo a polícia, o crime foi premeditado por dois irmãos, sendo que os estupros das mulheres teriam sido um ‘presente de aniversário’ de um irmão para o outro. Após atrair as vítimas para a festa, os dois teriam combinado com outros seis comparsas para que forjassem uma invasão à residência e praticassem os estupros. Apenas as mulheres dos irmãos não foram estupradas. Um dos irmãos foi sentenciado a 44 anos de prisão, em outubro de 2012. Cabe recurso.
Ø        Em fevereiro/2012, um menino de 12 anos se suicidou em Vitória/ES, após ser alvo de bullying na escola. Segundo relatos, o aluno era humilhado, empurrado e xingado de "gay", "bicha" e "gordinho" pelos colegas. O garoto deixou uma carta pedindo desculpas pelo ato e disse que não entendia por que era alvo de tantas humilhações.
Ø       Em fevereiro/2013, circulou no facebook a foto e a postagem de uma adolescente no site de relacionamentos ask.fm, em que respondia porque ela não gostava de negros: ‘Pq eu sou assim. Eu não gosto pois acho nojento os negros e etc.. (com exceção dos famosos e etc...). Cada pessoa tem um erro cada pessoa tem uma falha. Eu não gosto acho nojento os negros claro que se fosse meus pais e etc. eu ia aceitar mas não são. Então eu tenho até nojo de me encosta (sic) num negro.’


O preconceito é contagioso e pode ser uma arma letal. Começa muitas vezes em casa, com os pais fazendo e contando piadas ‘aparentemente inofensivas’ de negros, gays, mulheres, nordestinos e aqueles que não se enquadram no padrão midiático de beleza: os gordinhos. Está nos programas de humor que achamos inofensivos e assistimos em família. Chegando na escola, as crianças passam a repetir as mesmas piadas aos coleguinhas. Ao coleguinha tido como diferente, elas se acham no direito de debochar, escrachar, dar risadinhas (afinal, assim aprenderam em casa e na TV!), no intuito de atingir e isolar a criança não padronizada. Na era da internet, essas crianças também ‘brincam’ e espalham o que aprenderam em casa e na escola de outra forma: ofendendo e debochando de coleguinhas pela rede. Um dia elas serão adultas e algumas delas se tornarão militantes. Do Ódio.

Hoje esses militantes do ódio podem ser o teu amigo do facebook, o teu colega de trabalho, o vizinho. Não está longe de ti. O preconceito também pode bater a sua porta a qualquer momento: dificilmente alguém escapará disso. Seja por motivo de sexo, cor, raça, religião, militância política, militância de direitos humanos, etc. O gay sofre, o negro sofre e os umbandistas sofrem. As mulheres, os deficientes e os gordos sofrem. Os pobres e os índios sofrem. E tantos outros! Com o meu e o seu preconceito. Eu e você podemos sofrer preconceito! Dificilmente você não será atingido, pois se não for, será um filho seu, um parente ou um amigo seu.

A tua verdade pode não ser a minha. A tua fé ou a tua militância pode não ser a minha. O teu sexo/gênero pode não ser o meu. Mas nem por isso tenho o direito de te agredir ou impedir de ter os mesmos direitos que eu. Nem por isso tenho o direito de impor a minha verdade sobre a sua, mesmo estando sinceramente convencida dela. E nem você impor a sua verdade a mim.  Nem o Estado democrático de direito pode ser negligente: deve garantir os mesmos direitos civis a todos os seus cidadãos, independente de orientação sexual, credo ou cor. Também deve punir toda forma de agressão e criar mecanismos legais para isso. Não podemos admitir – num estado laico como o nosso - que o fundamentalismo cristão se apodere do Congresso Nacional para impedir a garantia de direitos.

Precisamos, mais do que nunca, denunciar toda forma de preconceito, inclusive as que vemos na internet, aparentemente ‘inofensivas’. Somos nós que apertamos os gatilhos sociais, quando nos omitimos contra esses crimes de ódio. É preciso denunciar cada postagem, cada violência cometida! Quanto mais denúncias sobre um caso, maiores são as chances de investigação e punição.

E o mais importante: acima de tudo e também de qualquer credo, precisamos educar os filhos com ética para a vida; e isso nós faremos se formos exemplo: olhando para nós mesmos, nos despindo de nossos enraizados preconceitos e, sobretudo, tendo ética em nossas relações. As leis servem para punir enquanto não houver ética – e são necessárias, infelizmente. Mas ainda torço para que um dia elas se tornem algo em desuso.



Onde denunciar:

No site da Safernet, organização que luta para defender os direitos humanos na internet, há uma seção que orienta os usuários da internet sobre o que fazer em caso de crimes de ameaça, calúnia, injúria, pornografia infantil, racismo, apologia e incitação a crimes contra a vida, xenofobia, neonazismo, homofobia, etc. Entre as instruções estão a preservação de todas as provas, realização de denúncia e também o envio de uma carta registrada, com modelo disponível no site, para o provedor de serviço tirar a página ofensiva do ar.



*Esse artigo foi publicado no Portal Desacato, de Florianópolis; no Portal Blumenews, de Blumenau e no Blog do Luis Nassif (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/os-militantes-do-odio-nas-redes-sociais)

segunda-feira, 11 de março de 2013

O nosso corpo como espaço de experiências em Blumenau



Nesses últimos 6 anos (2008-2013), a cidade vem passando por momentos intensos entre pesquisas e projetos culturais sobre ‘corpo’, sobretudo envolvendo aspectos da história e arte em Blumenau.

Mas afinal, por que é importante estudar o Corpo? Não estamos falando de medicina, mas sim de como as pessoas lidam com seu corpo e o do outro. Temos um longo histórico de rejeição e negação do Corpo: as igrejas cristãs, em seus mais de dois milênios de existência, nos dividiram em dois: Corpo e Alma, relegando ao corpo a culpa pelos pecados, pela ruína da alma.

Em Blumenau, a estreia da peça teatral ‘Volúpia’, da Cia Carona de Teatro (2008), trabalho colaborativo que contou com cenas criadas por atores, diretor e dramaturgo, com texto de Gregory Haertel e direção de Pépe Sedrez, causou enorme impacto na cidade. Isso porque, segundo Haertel, a peça tocou num “ponto para onde convergem muitos dos dogmas e certezas da nossa sociedade blumenauense que se estende por toda a região do Vale do Itajaí: uma sociedade judaico-cristã, de origem germânica e fortemente voltada para valores familiares, onde a repressão e a culpa modelam um erotismo que ‘tem que sair da festa’ para acontecer”.

Livro Clio no cio: escritos livres sobre o corpo
Com o intuito de debater estes dogmas e preconceitos foi que se percebeu a importância de estender a temática para outros projetos, tanto na área artística, quanto na pesquisa acadêmica; afinal, conceitos enrijecidos e silenciados precisam ser expostos e debatidos – a fim de permitir que as pessoas pensem o seu corpo e o corpo do outro com suas diferenças, semelhanças, dores e prazeres. Também era preciso refletir sobre o corpo como engrenagem do capital, ora como trabalhador, ora como consumidor e também como objeto de consumo em revistas e canais de TV.

Foi com essa perspectiva que no ano seguinte (2009) surgiu na FURB o Coletivo ‘Clio no cio’, organizado pela professora e historiadora Carla Fernanda da Silva e que contou com a participação de diversos acadêmicos e professores da universidade. Este grupo promoveu diversos encontros com pesquisadores e resultou na publicação do livro “Clio no cio: escritos livres sobre o corpo” (Casa Aberta, 2010), obra que serviu de embrião para futuras pesquisas e trabalhos artísticos sobre corpo em Blumenau.
  

Dentre eles, podemos citar o projeto fotográfico “Escritos da Carne” (2011-2012), também de autoria/concepção de Carla, que contou com a participação de 7 fotógrafos de Blumenau e resultou em 21 fotografias de corpos nus com inscrições de textos considerados eróticos pelos fotografados, para que, segundo a autora, “pudessem mostrar suas múltiplas compreensões do viver erótico”. Todo o processo que culminou na exposição fotográfica foi uma experiência nova tanto para os fotógrafos, como para os fotografados: a tensão e nervosismo dos ensaios os obrigou a fazer uma reflexão sobre os motivos dessas sensações; e todos eles, após estarem expostos em público na primeira exposição em Blumenau, sentiram-se um pouco mais livres, especialmente por terem superado o desafio de expor o seu corpo, a sua sexualidade e o que entendem por erótico. Nos dizeres de Beli Lessa, ‘Escritos da Carne’ é “uma compilação de pensamentos, corpos, prazeres, que podem provocar outros corpos, e está perfeitamente no espaço cultural (local/moral) que deveria estar. Cada fotografia abre um conceito, que podem ser reflexo da sociedade cristã-ocidental com sua mídia invasiva, como também refletem as peculiaridades locais”.

Nesse mesmo período, foi aprovada e iniciada uma pesquisa via CNPq sobre a história da homossexualidade feminina em Blumenau (Projeto Outras Vozes), que já teve seus primeiros resultados publicados. Além disso, o Corpo também foi objeto de trabalho de conclusão de curso de alguns acadêmicos da FURB: Daisy Sehnem Ceron, Luiz Guilherme Augsburger e Cristiane Theiss Lopes, entre outros.

No final de 2012 também foi publicado o livro “Corpos Plurais: experiências possíveis(Carla Fernanda da Silva e Celso Kraemer – orgs., Liquidificador, 2012), obra que reúne também boa parte de relatos dessas experiências artísticas e resultados de pesquisas sobre corpo em Blumenau, inclusive o ‘Outras Vozes’. Para os autores, é “um livro-experiência, onde se buscou cartografar a convivência de pesquisa sobre o Corpo, Gênero e Arte, dividida, incentivada, debatida, provocada por alunos e amigos: diálogos em que a curiosidade transitou entre o ingênuo e o olhar sutil e perspicaz, por vezes malicioso, de artistas, pesquisadores e acadêmicos”.


Aliança Francesa de Blumenau promoveu, em evento gratuito, o lançamento do livro Corpos Plurais, além de um bate-papo sobre as diferenças entre a sexualidade ocidental e oriental: ‘Kama-Sutra e o cuidado de si: um outro olhar sobre o erótico indiano’- no dia 06 de março, às 19:30h, na sede da Aliança Francesa (Alameda Rio Branco, 520, em Blumenau).

A última mostra da exposição de fotografias do Escritos da Carne, ficará disponível para visitação até o dia 05/04/2013.

Para os artistas e escritores envolvidos, uma alegria por poderem partilhar essa trajetória. Para os curiosos, um evento imperdível.

Saiba mais:
Sobre a exposição ‘escritos da carne’:
http://www.escritosdacarne.blogspot.com.br/

Sobre o livro ‘Corpos Plurais: experiências possíveis’ e onde adquiri-lo:  
http://escritoslivres.blogspot.com.br/

* Esse texto foi publicado originalmente no Portal Blumenews, de Blumenau, onde a autora é colunista.

Primeiro Ato: O rei, o bispo e o tabuleiro



Vendo correr na imprensa local as primeiras impressões sobre o jogo político na Cidade, parece-me que as primeiras análises foram no sentido de que o rei, cedendo às exigências de seu bispo, estaria fadado a um xeque-mate. Mas como nem tudo é o que parece, tomo a liberdade de expressar as minhas impressões de peão fora do tabuleiro, que só observa, de canto de olho e desconfiada, sempre.

Àqueles acostumados com as previsíveis jogadas do velho rei, digo que estão se precipitando. Não se iludam! O novo rei não está nu. Ainda...

Tal como qualquer batalha, os primeiros movimentos de um rei não podem ser percebidos pelo bispo como jogadas de ataque, afinal, vencer uma guerra interna requer muito mais estratégia e tempo!

Astuto como é, o rei já sabia que o bispo seria o seu maior opositor e inimigo antes mesmo da caixa de xadrez se abrir e as peças estarem postas no tabuleiro. Movido pelo desejo de poder, agora que o jogo já começou, o bispo quer porque quer colocar seus peões, pra mostrar que também manda no jogo!


O rei sabe disso – vai aceitar os peões e fará ainda outras concessões. O bispo, pouco a pouco se sentirá tão grande, mas tão grande e poderoso, que desviará seu olhar do rei. É nessa hora que o rei tentará vencer a sua maior batalha do momento; e talvez nem precise se arriscar pra frente nesse tabuleiro, no máximo se movimentar lateralmente... Pois pretende guardar fôlego pra lutar e vencer outras guerras, consideradas bem mais importantes por ele... a fim de conquistar outros impérios.

Ele conseguirá o que quer? Só o tempo... dirá. 



* Esse texto foi publicado originalmente no Portal Blumenews, de Blumenau.

Vamos pedalar Prefeito?



Imagem da página do Facebook - ciclistas por LaPatagonia
A Cidade não pode esperar mais!

Até pouco tempo eu não tinha muita esperança de mudança na política de mobilidade urbana em Blumenau: ou vocês não se lembram da polêmica que foi tirar uma pista dos carros nas ruas centrais, para os ônibus circularem sozinhos? O carro ainda é considerado símbolo de status e ascensão social, devidamente patrocinado pelo Governo com isenções ou reduções de IPI.

 Mas eis que as coisas estão mudando um pouco por aqui: os discursos em prol da bicicleta, pouco a pouco começaram a ser aceitos por uma parcela de blumenauenses, fazendo frente à cultura do automóvel: tenho visto as magrelas se multiplicando nos fins de tarde, noites e fins de semana em Blumenau. Antes vista como brincadeira de criança ou meio de transporte para a classe pobre, a bicicleta conquistou primeiramente os ‘alternativos’, que rejeitam o ‘império’ do automóvel, seus males e que também se preocupam com a saúde; depois conquistou uma parcela da classe média mais consciente: agora a bike é considerada também um modo de vida alternativo, para momentos de lazer e prática de atividades físicas. Em Blumenau já temos bicicletadas promovidas por escolas e coletivos de bikers.

Os benefícios da bike são indiscutíveis, tanto para o cidadão, quanto pra cidade. Pessoas adoecem porque comem mal e não se exercitam: andar de bike previne doenças, instiga alimentação saudável e reduz despesas médicas – a demanda e gastos com a saúde pública está no limite do insuportável. Andar de bike evita a necessidade permanente e desenfreada de construção de pontes, viadutos e vias expressas, reduzindo os custos astronômicos com essas obras, suas manutenções e outras demandas de planejamento urbano; reflete diretamente na mobilidade, reduzindo o trânsito nas ruas. Reduz a poluição sonora e do ar, contribuindo para meio ambiente.

Vamos pedalar, Prefeito!

Precisamos usar a bicicleta também pra ir à escola, faculdade e trabalho! Pra isso o incentivo ao uso da bike precisa ser pensado e implementado como política pública municipal – e isso não é tão difícil: basta criatividade para otimizar os investimentos que vão ter retorno garantido a curto e médio prazos. Precisamos criar um sistema de ciclovias interligadas aos bairros – e não uma pintura vermelha em cima das calçadas do centro; precisamos de estacionamentos públicos (bicicletários) na região central e também em escolas,  parques, terminais urbanos e na rodoviária; precisamos firmar parcerias com a Universidade, para estudos sobre os melhores caminhos para estabelecer rotas escolares; e temos que retomar as ciclorrotas de lazer. Precisamos de campanhas educativas. Precisamos buscar e intermediar parcerias entre entidades (ABC pró-Ciclovias, p. ex.) e setores privados que queiram ser bike-friendly (bares, cafés, padarias, restaurantes, pizzarias, lanchonetes, academias, teatro, cinemas, etc.), prevendo descontos e promoções pra quem freqüenta esses lugares indo de bike, como já existe em Buenos Aires.

Andar de bike humaniza os espaços urbanos. Carros são ilhas com redomas, habitados por pessoas que ficam indiferentes ao mundo externo. Não há interação, só o medo do outro! Quando ando de bike e encontro outros ciclistas, percebo a cumplicidade no olhar e na atitude. Quando ando de carro, eu não vejo pessoas. Eu vejo carros, placas, semáforos e muita poluição. Quando ando de carro eu não conheço a cidade, só presto atenção no trânsito caótico pra não bater. Andando de bike eu me sinto livre: vejo casas e pessoas, árvores, plantas e flores. Eu vejo vida!

Mas quando é que Blumenau enxergará isso?


* Esse texto foi publicado no Portal Blumenews, de Blumenau, onde a autora é colunista. Também publicado no Portal Desacato.Info, de Florianópolis.

O que os ataques incendiários revelam sobre Santa Catarina?



Foto: divulgação

Os constantes ataques incendiários noticiados na imprensa nacional ao menos serviram pra uma coisa: revelar ao país inteiro que o nosso estado não é aquele paraíso amplamente propagandeado pelas secretarias municipais, estadual de turismo e agências de viagens.

Santa Catarina não é só um recanto de belezas naturais que dia a dia está se esvaindo pelo ralo da devastação. É um lugar que a desigualdade social cresce numa escala avassaladora; impulsionada pela falta de implantação de programas eficazes e políticas públicas de qualidade – educação, saúde e cultura. Aqui em Santa Catarina, o Governo Estadual paga salários baixos para todos os seus serviços essenciais: saúde (a greve acabou faz pouco tempo); educação (não cumprimento do piso salarial nacional) e segurança (falta de efetivos nas polícias militar e civil). Também não é só o salário baixo: o estado também não oferece estrutura decente para o funcionamento dessas políticas.

E como votamos mal nas eleições: sempre e sempre nas mesmas famílias!

Nós catarinenses comemos pirão com magras sardinhas, mas arrotamos caviar: em termos culturais, vivemos de enaltecer nossa imigração européia – alemã, italiana e açoriana, esta última incluída pela política turística das últimas décadas – mas costumamos ignorar e esquecer portugueses, poloneses e japoneses; isso sem falar do desprezo às culturas negra e indígena (xóklengs, kaigangs e guaranis).
Damos a entender que possuímos uma certa superioridade em relação aos demais estados do Brasil.

A soberba é tanta, que insistimos em pensar que a criminalidade só existe aqui porque veio de outros estados. Chegou ao ponto do governo estadual recusar ajuda do governo federal para ao menos tentar conter os ataques incendiários. Depois reclamam e não sabem por que, apesar de dizerem que Santa Catarina é um estado rico e o melhor pra se viver, não recebemos investimentos do Governo Federal: aqui na ‘Europa brasileira’ muitas, mas muitas cidades sequer têm saneamento básico; temos somente duas universidades federais e a segunda foi criada somente há 4 ou 5 anos atrás; os recursos para obras em rodovias federais e até aquelas que envolvem prevenção às enchentes levam décadas pra chegar.

Santa Catarina também é um estado feito de governos e pessoas que ainda acreditam que repetir os mesmos artifícios de outros estados vai alcançar sucesso no combate à criminalidade, problema que não bateu à sua porta: chutou com os dois pés e jogou fósforo com litros e mais litros de gasolina. É um estado com povo e governo que acredita piamente que bater em presos e fazer mega operações policiais nos condomínios ‘minha casa, minha vida’ vai mostrar quem manda e também devolver a paz e o sossego aos nossos lares. Como num passe de mágica!

Não acho que os ataques incendiários em Santa Catarina servirão para nos acordar. Mas já revelam alguma coisa: o rosto por detrás da máscara de estado paradisíaco e algumas sujeiras escondidas debaixo do tapete (e nem estou falando daquele tapete negro).

Publicado originalmente no Portal Blumenews, de Blumenau, onde a autora é colunista. Também publicado no Portal Desacato.Info, de Florianópolis.

sexta-feira, 1 de março de 2013

"A alma como prisão do corpo"


Na sociedade de controle, o Estado produz e reproduz, numa escala avassaladora, inúmeras normas controladoras de comportamentos. Dentre elas, não há quem não se lembre da proibição de usar pulseiras coloridas “do sexo”; da permanência de malabares nos semáforos; de consumir bebidas alcoólicas em praças públicas e ruas; do uso de narguilé em bares e restaurantes. São tantas as leis proibitivas, que até já foram motivo de publicações irônicas e sarcásticas, como é o caso do livro “É proibido soltar pum às 18 horas e outras leis malucas no mundo inteiro”. (Ferreira, Mauro. ed. Panda Books).

As leis são mecanismos de controle para nos adestrar; e é no adestramento que encontramos a importância dessa discussão. Segundo Foucault, primeiro disciplina-se a alma e depois o corpo. Quando as leis e tudo aquilo que nos normatiza é internalizado, a partir de uma vigilância constante que nos remete a esse comportamento, "a alma, efeito e instrumento de uma anatomia política" torna-se "prisão do corpo".

É certo que a ditadura militar deixou muitas marcas de repressão – principalmente os inúmeros órfãos desejosos de controle e ordens, indivíduos sem autonomia de pensamento, que sequer tentam refletir eticamente sobre suas ações, dependentes de um Estado regulador. E assim reivindicam leis e regras para si e também para exercerem controle sobre o Outro.

A falta de autorreflexão e autonomia faz com que este cidadão peça e até aceite que o Estado estabeleça mais e mais mecanismos de controle, sem se dar conta dos excessos: acha normal proibir tudo, entregando até a sua intimidade ao controle estatal e social, numa espécie de ditadura consentida, adentrando num vicioso ciclo.

Em Blumenau não poderia ser diferente: aqui já é proibido o consumo de bebida alcoólica em praças e ruas, mas não para aqueles que podem gastar muito: pois o stammtisch não pode parar, nem as cervejarias que ficam dentro do Parque Ramiro Ruediger e da Prainha – concessões públicas – e muito menos o esquenta da Oktoberfest na rua XV. Também proibiram os malabares que pediam dinheiro nos semáforos, mas nem pensar em proibir as dezenas de ‘pedágios’ de entidades pedintes nos sábados de manhã. Quer dizer, o Estado agora controla e ordena até a quem podemos doar nosso dinheiro nos semáforos.

Hoje, antes de ser livre, o cidadão tem que estar a serviço do capital e do consumo: e assim assistimos passivamente a elitização de parques, com a permissão para beber só nos seus bares privados; a privatização da faixa de areia da praia (ainda que não normatizada), pois ou alugamos as cadeiras e guarda-sóis estrategicamente deixados por comerciantes antes mesmo do sol nascer, ou não temos mais o direito de estar lá.

Convivemos cotidianamente com leis injustas que promovem a desigualdade e podem ultrapassar até os limites da intimidade: na Alemanha, os proprietários de um condomínio da cidade de Radeburg distribuíram panfleto aos seus inquilinos orientando os homens a não urinarem em pé. Eles alegam que os moradores muitas vezes deixam que o xixi caia para fora do vaso e a acidez da urina estaria danificando os aparelhos de calefação instalados próximo ao vaso sanitário. No ano passado, um partido de oposição sueco também chegou a propor uma lei proibindo os homens de urinar em pé, evitando as gotas de xixi que escapam e vão parar no chão e na borda da privada (espero que ninguém copie essa idéia por aqui).

E assim pouco a pouco, cada um fica no seu quadrado, aprisionado num corpo sorrateiramente adestrado; e quando todas as normas estiverem finalmente internalizadas e naturalizadas, quem cometer o deslize de tomar uma latinha de cerveja no parque da cidade será o “cara a ser corrigido”, penalizado pelo Estado e marginalizado pela sociedade.

Aí eu pergunto: até quando assistiremos impassíveis a todo esse cerco de proibições? Será a liberdade um direito em extinção?

* Publicado originalmente no Portal Blumenews, de Blumenau.