terça-feira, 23 de abril de 2013

Sobre turistas e cidades



Agora, em abril, foi a terceira vez que viajei para o Rio de Janeiro. Nas duas anteriores, só andei de carro/carona ou táxi, convencida da famosa violência e do medo de assaltos. Mas dessa vez, contra todos os meus medos e temores, tomei a decisão de não usar táxis para circular por lá, optando pelo transporte coletivo e bicicletas de aluguel.

Esperava encontrar uma cidade repleta de moradores presos em seus carros, mas pra minha surpresa havia muita gente andando de bike, não só pra passear, mas também fazer compras, ir ao banco, a escola ou ao trabalho, e fazer entregas (de remédios, gelo, água, entre outras mercadorias). Também fiquei surpesa com a enorme quantidade de bicicletas motorizadas circulando pelas bem planejadas ciclovias e passeios públicos, ao menos na zona sul, centro e proximidades. Percebi o incentivo ao uso de bicicletas no dia a dia pela quantidade de paraciclos, ciclovias ou ciclofaixas. Quase não tem motos circulando e o trânsito é tomado por ônibus e táxis.

Os espaços para ciclovias e calçadas amplas sem buracos e com acessibilidade, estavam presentes nos bairros que percorri. É certo que entre a Lapa e o centro as calçadas e as ruas são estreitas, mas isso também se explica por ser uma cidade antiga, com ruas planejadas para pedestres, cavalos, carroças e padiolas. Os ônibus não eram superlotados e eu fui sentada todas as vezes que usei, mesmo em dia de semana e em horários de pico, porque havia ônibus a cada 10 minutos.

Circulei 4 dias por lá e peguei 13 ônibus (R$ 2,75 a passagem), além de ter usado o serviço de locação de bikes do Itaú/Prefeitura por duas vezes (R$ 5 por 24 horas ou R$ 10 por 30 dias), que possui 60 estações com 600 bikes distribuídas em 10 bairros da cidade. Foi, de longe, o melhor jeito de conhecer um pouquinho do Rio. Finalmente!


Nessas idas e vindas de bairro a bairro e no centro, precisei contar com a ajuda de muitos, mas muitos cariocas: dos jornaleiros de bancas, dos vendedores de barraquinhas de pipoca no centro e barraquinhas de sucos e água na praia, dos motoristas, cobradores e passageiros de ônibus. Também teve a senhora moradora de Copacabana, que tomando um banho de sol na cadeira de rodas em frente de seu prédio, foi muito atenciosa pra nos ajudar a encontrar o bairro Peixoto. Tem gente estressada também, mas que se revela acolhedora e atenciosa logo que ouve um bom dia acompanhado de um sorriso.


Não entrei em nenhum shopping da cidade e fugi dos restaurantes caros para turistas, que em geral não possuem o sabor da cidade. Não fui ao tradicional Cristo Redentor e nem ao bondinho do Pão de Açúcar, e alguns dirão que cometi sacrilégio por isso.

Mas fui aos barzinhos frequentados há anos por cariocas boêmios, na Lapa e na rua Vinícius de Moraes. Entrei num sebo muito legal na rua Barata Ribeiro e saí de lá carregada de livros e discos de vinil a R$ 1 cada. Também assisti a uma peça de teatro muito boa num pequeno teatro em Ipanema. No Rio, como sabemos, o teatro e arte fazem parte do cotidiano e da vivência de muitos moradores, e por isso também atrai os turistas.




E assim fui conhecendo um pouco esse povo e alguns de seus lugares e bairros: Glória, Jardim Botânico, Leblon, Ipanema, Copacabana, Peixoto, Lapa e Santa Tereza, desconstruindo alguns dos pré-conceitos que tinha por causa das notícias de TV e Jornais, onde se dissemina a cultura do medo.

Não estou aqui pra enaltecer a cidade, pois sabemos de seus graves problemas de segurança pública, saúde, drogas, miséria e sua exploração; e de muitos bairros e regiões com infindáveis problemas. Mas para dizer que conhece uma cidade, seu povo e sua cultura, só quem se aproxima do dia a dia dos seus moradores e conversa com eles sem medo. O turista, só vive a cidade, se tenta não ser um turista. Conhecer uma cidade só se torna interessante, se você não for a um cenário de programas e locais artificialmente fabricados para turistas. Cidade boa para os turistas é aquela que é boa para os cidadãos que nela moram. Isso vale pra Blumenau também. Nossa cidade é boa para o cidadão? Ou apenas um cenário para o turista?


terça-feira, 16 de abril de 2013

Temperos e aromas da vida



Sempre tive curiosidade em conhecer novos 
restaurantes e isso já foi um dos meus programas prediletos. Não que eu ainda não goste, mas depois de um tempo, comecei a perceber que faltavam alguns temperos a mais naquelas refeições.

E não falo da páprica, do alecrim ou manjericão. Falo daqueles temperos que você não encontra nem nos melhores restaurantes do mundo, e que só existem quando cozinhamos e partilhamos esse momento com amores e amigos. É ali que se encontram os temperos que não estão nem no mais lindo e privativo restaurante: o aconchego dos lares, os risos desmedidos e até o tempero das apimentadas confidências.

E pouco a pouco, outros temperos e aromas vão invadindo nossas cozinhas, salas de jantar e corações...

Como a alegria da Mari e da Gi, que nos convida a uma descontração, às vezes até desconcertante, especialmente pra Gi.  A vontade de aconchego da Cleide e do Macedo, no pedacinho do céu deles. As trocas de confidências e de cômicas farpas com a Ana e a Josi, nos mostrando o quanto somos parecidas em ideais e ideias. A saudade dos temperos de quem não está mais tão perto, como as brincadeiras da Greyce, as altas risadas da Celinha e o carinho aconchegante da Momô.

As intimidades nas conversas com o Roberto, enquanto ele delicadamente prepara os ingredientes. A empolgação do Pepe, da Taninha, da Gláucia e do Marcelo, na hora de cantar e batucar. A voz da Rosane Magaly, fazendo eco por todos os cômodos. A alegria de conhecer os amigos de amigos, e que agora também se tornaram amigos, como o Fernando Alex, que nos apresentou a lindeza de sua arte e a Sheron, com toda a sua delicadeza.

As trocas de receitas e folias gastronômicas feitas pelo pessoal da procuradoria de Gaspar: as fajitas de carne e o escondidinho do Leandro, o cachorro-quente do Nilton e os brigadeiros da Giselle. Isso sem esquecer do carinho presente nas delícias da dona Brita!

Também tem as tiradas da Carla, pra fazer o povo rir, mas também... pensar. A minha folga em levar todos os badulaques pra fazer moqueca na casa da Ali, do Charles e do menino Joaquim, num lugar que nos convida à calmaria e a um olhar de (re)descoberta da natureza; mostrando que, pra ser feliz, isso mais do que basta.

Moqueca na casa da Ali, Charles e Joaquim

E por fim, aquele carinho imensurável no preparo do caldo de peixe do paizão e da mãezinha de coração, junto com o Júnior e a ‘princesinha’ Camila, com suas maravilhosas sobremesas, conquistando mais e mais amigos-admiradores a cada aniversário da Carla. Que o diga as ‘Meia Porção’, a Maila e a Kay!

A comida feita com os temperos do amor e da amizade é muito mais interessante e saborosa do que aquela dos restaurantes de alto preço, normalmente decorados com muita plasticidade.... Cozinhar com o seu amor, com os amigos e para os amigos é também um ato de carinho imensurável de amor e amizade. E os temperos e aromas ali partilhados são os mais deliciosos da vida!


* Esse texto foi publicado no Portal Blumenews, de Blumenau.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Por uma cidadania no mundo virtual, com impacto real!



Em defesa dos projetos de lei de iniciativa popular por petições eletrônicas.

O mundo virtual faz parte do nosso cotidiano, tanto para diversão, como para serviços, cultura, informação, etc... Mas também se consolidou como um novo espaço para fazer reivindicações e manifestações; e percebo como isso vem se multiplicando ao acompanhar a quantidade de petições e abaixo-assinados on line que chegam à minha caixa de e-mails e pelas redes sociais. A comunidade virtual, muitas vezes questionada e tratada como ‘ativista de sofá’, tem aumentado sua participação nas discussões políticas, protestando e requerendo mudanças através destas petições.

Fazendo uma rápida pesquisa, foi fácil constatar que essa forma de participação popular vem ampliando dia a dia. Foram 1 milhão e 600 mil assinaturas contra a eleição de Renan Calheiros (PMDB-AL) para presidir o Senado. E quase meio milhão de assinaturas para pedir a destituição do pastor Marco Feliciano (PSC-SP). Em termos práticos, estas petições ajudam a dar visibilidade às reivindicações populares e à insatisfação com as práticas políticas, seja do Congresso Nacional, seja do Poder Executivo.

Como a internet tem se mostrado um espaço de protesto e de construção de cidadania, está mais do que na hora dessa ferramenta ser oficializada e regulamentada, ampliando os poderes desses abaixo-assinados virtuais, para fortalecer a democracia e dar efetividade a um dos direitos que até hoje está praticamente em desuso: a possibilidade de apresentação de projetos de lei de iniciativa popular.

Projetos de lei por iniciativa popular consistem em reivindicações de leis mediante abaixo-assinado de eleitores, apresentados ao Poder Legislativo. A tramitação é a mesma de um projeto apresentado por um vereador ou, em nível federal, um deputado. Se legitimassem também os abaixo-assinados virtuais, a população, entidades e movimentos sociais em geral teriam maiores possibilidades de ver suas reais reivindicações atendidas. O parlamento alemão já desenvolveu sua própria plataforma oficial para que a população organize esses abaixo-assinados. Além de facilitar o acesso ao Legislativo, o abaixo-assinado virtual poderá dar agilidade às demandas.

No caso de projetos municipais de iniciativa popular, estes são submetidos à aprovação dos vereadores e do Prefeito Municipal, como todos os outros projetos de lei. A iniciativa popular é exercida pela apresentação de projetos de lei à Câmara Municipal, subscrito um percentual mínimo de eleitores inscritos no Município, desde que o projeto apresente conteúdo de interesse específico da Cidade ou Bairro (conforme lei orgânica de cada cidade). Podemos citar alguns exemplos de demandas, como aquelas relativas à sustentabilidade/meio ambiente ou de mobilidade urbana/estímulo ao uso da bicicleta - e quais projetos de lei que poderiam ser apresentados:

Sustentabilidade e Meio ambiente:
- para que se adotem medidas de conservação e uso racional da água e de energia e de permeabilização do solo nos projetos de urbanização e edificação a serem submetidos à aprovação pelo Município;
- para que obrigue a comunidade a separar o lixo reciclável do lixo comum, com a coleta seletiva sendo feita pela Prefeitura.

Estímulo ao uso de bicicletas (conforme lei federal 12.587/2012, que estabelece, dentre outros, prioridade dos modos de transportes não motorizados):
- para dispor sobre a criação de estacionamento de bicicletas em locais abertos à freqüência de público (como em SP, que já tem lei nesse sentido e que está instalando paraciclos);
- para que os loteamentos e ruas novas sejam aprovados pelo Município se for destinado espaço também para ciclovias;
- para que se insira no currículo escolar da rede pública municipal a importância do uso de meios de transporte alternativos, como o uso de bicicleta – ensinando também as regras de trânsito e de segurança relativo às bicicletas (a Holanda tem esse projeto implementado há muitos anos);
 - para que os projetos de construção de prédios comerciais sejam aprovados somente se houver determinado número de vagas de estacionamento também para bicicletas, com instalação de paraciclos apropriados;
- para que se incluam ciclovias em todos os projetos de pavimentação e execução de vias públicas.

Mas, para a população apresentar projetos de lei mediante abaixo-assinados eletrônicos, é necessário criar mecanismos legais para isso, prevendo no regimento interno da própria Câmara essa possibilidade. Também seria importante desenvolver uma plataforma/sistema on line conectada diretamente com a Justiça Eleitoral, para cadastro e senha dos eleitores participantes, sendo esta a sua assinatura digital. E convenhamos: o nosso estado é polo de desenvolvimento de software. Dá pra ver que não será tão difícil!

E aí gente, será que a Câmara de Vereadores da cidade de vocês topa? Que tal iniciar um abaixo-assinado eletrônico, pleiteando esse direito?

* Esse texto foi publicado originalmente no Portal Blumenews, de Blumenau, onde a autora é colunista e no Portal Desacato, de Florianópolis.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Os inimigos íntimos da democracia




É com este título intrigante que o filósofo búlgaro Tzvetan Todorov nos provoca e convoca à reflexão sobre as ameaças aos Estados democráticos. A democracia, como sabemos, tem como um de seus pilares a liberdade. Não se reduz a uma forma de governo, não se limita a exercer o dever e direito de votar e ser votado nas eleições. Democracia é participar, se envolver, fazer e cobrar justiça social, pois o ser humano só é verdadeiramente livre se tem acesso aos direitos básicos. As instituições democráticas são frágeis, e como cidadãos devemos estar vigilantes aos sinais e riscos de autoritarismo.   

Diante disso, é que se pergunta: quem são os atuais inimigos da democracia? Os estrangeiros? Os terroristas? Um olhar mais apurado nos mostrará que o inimigo é bem mais íntimo... e o livro de Todorov nos possibilita esse outro olhar.

Segundo o autor, os inimigos já não são mais ameaças vindas do exterior, de outros países e seus regimes autoritários. Essas ameaças no momento estão em recuo, ainda que muitos politicólogos e o pontual ataque de 11/09/2001 contra os EUA nos levaram a crer que um novo inimigo externo estava à espreita. O autor defende – e eu corroboro – que as reações espetaculares aos atos terroristas marcaram mais do que os efetivos prejuízos que infligiram. Também questiona qual a proporção entre o ataque às torres gêmeas e as guerras no Afeganistão e do Iraque – que provocaram centenas de milhares de vítimas, abalando a reputação dos EUA na região – e por consequência a sua segurança. Isso sem contar os danos causados ao próprio país e aliados europeus: a aceitação legal da tortura, a discriminação das minorias ou as restrições impostas às liberdades civis.

Já não há mais um inimigo global. O ‘inimigo’ está entre nós, engendrado no nosso meio, na forma de uma deturpação da concepção de liberdade individual – o que faz com que ‘outras exigências, não menos indispensáveis sejam recusadas, reprimidas e eliminadas’. Deve existir uma relação de limitação mútua entre a exigência pelo bem e interesse comum com a exigência de liberdade individual. Essa constatação do autor partiu de um questionamento logo no início da obra: “Num primeiro momento eu tinha acreditado que a liberdade era um dos valores fundamentais da democracia; agora percebo que certo uso da liberdade pode representar perigo para a democracia. Haveria aí um indício de que, hoje, as ameaças que pesam sobre ela não vêm do exterior – da parte daqueles que se apresentam como seus inimigos, mas sobretudo de dentro, de ideologias, movimentos ou gestos que alegam defender os valores democráticos?

Mas vamos ter um cuidado ao analisar o que o autor fala sobre ‘liberdade individual’, pois um julgamento apressado poderia modificar o sentido de suas palavras. Todorov trabalha com a compreensão de liberdade individual na contemporaneidade, alicerçada atualmente no extremo individualismo, em que a reivindicação de liberdade individual exclui a liberdade do outro e se sobrepõe às reivindicações coletivas, próprias da democracia. O individualismo desmedido transforma os cidadãos em tiranos-fascistas, intolerantes aos direitos de outros cidadãos. Portanto, quando Todorov nos fala dessa ‘liberdade individual’, é do descomedimento contemporâneo que ele faz referência. O mesmo pode-se afirmar das pessoas que invocam o direito à ‘liberdade de expressão’, quando apenas pretendem ter o direito de fazer apologia à violência, ao racismo, à xenofobia, enfim, querem ter o direito de causar qualquer tipo de dor ou atingir alguém; ou então invocar a ‘liberdade de crença’ a fim de tentar impor a sua crença e a sua verdade a todos, sem ética e respeito à crença do outro.

Os perigos da ideia de liberdade absoluta, baseada no individualismo, surgem quando um dos elementos da democracia (povo, liberdade e progresso) é isolado ou absolutizado: “o primeiro adversário da democracia é a simplificação que reduz o plural ao único, abrindo assim o caminho para o descomedimento.” Assim, “a relação que se estabelece entre as duas formas de autonomia – soberania do povo e liberdade da pessoa – é a de uma limitação mútua: o indivíduo não pode impor sua vontade à comunidade, e esta não deve interferir nos assuntos privados de seus cidadãos”.

Hoje “a democracia está doente de seu descomedimento: a liberdade torna-se tirania, o povo se transforma em massa manipulável, o desejo de promover o progresso se converte em espírito de cruzada”. Exemplos não faltam em nosso país/ao nosso redor: a ‘liberdade como tirania’ está naqueles que militam contra os direitos humanos na comissão de direitos humanos; a ‘massa manipulável’ está naqueles rebanhos conduzidos por pastores fundamentalistas (e que pregam um conservadorismo não praticado por eles mesmos – a fim de alcançar a massa, com o objetivo de ganhar poder e dinheiro); e um exemplo de ‘progresso como espírito de cruzada’ está na bancada ruralista e até em alguns de nossos políticos locais que estão fazendo pressão para derrubar alguns dispositivos vetados do novo Código Ambiental. Esses ditos ‘inimigos’ têm uma aparência menos assustadora, pois usam os trajes da democracia e por isso podem muitas vezes passar despercebidos. Mas nem por isso são menos perigosos: “se não lhes for oposta nenhuma resistência, um dia eles acabarão por esvaziar esse regime político de sua substância. Conduzirão a um desapossamento dos seres e a uma desumanização de suas vidas.”

O ‘inimigo’ da democracia também está em nós mesmos – e a idéia de que possamos nos assemelhar a quem execramos chega a ser insuportável: “Transtorna-nos pensar que Hitler era um ser humano que compartilhava conosco certos traços. Esse mal é apavorante, e portanto preferimos considerá-lo uma anomalia monstruosa, exterior à nossa história e à nossa natureza. (...) Ao refletir sobre a história intelectual do nazismo, George L. Mosse, um dos mais perspicazes especialistas no assunto, observava que o racismo no qual se baseava essa doutrina compartilhava traços com outras bem mais respeitáveis. O racismo, escreve ele, “não constitui uma aberração do pensamento europeu ou de momentos isolados de loucura, (...) está “associado a todas as virtudes que os tempos modernos não cessaram de elogiar”. Descobrir o inimigo dentro de nós é inquietante, pois se antes nos atínhamos somente aos ‘inimigos externos’ (totalitarismo nazista, p. ex.), agora precisamos nos identificar como ameaças e enfrentá-las.  As chances de superá-las, segundo o autor, não estariam numa guinada radical, pois essas mutações da democracia não são fruto de um complô ou intenção maligna, e aí reside a dificuldade de estancá-las.

Combater os inimigos íntimos é mais difícil do que os inimigos de outros tempos, pois eles invocam o espírito democrático, dando uma aparência de legitimidade. Mas de maneira nenhuma isso pode nos levar a uma resignação ou cinismo; ou à convicção de que tudo está perdido. Mas se não compreendemos a sociedade em que vivemos, estaremos nos arriscando e muito – por isso a importância de levar em consideração os estudos trazidos pelas ciências humanas e sociais.

Diante das falências das concepções de governo, não podemos mais aceitar simplesmente sermos governados, neste eterno retorno de uma servidão voluntária. É preciso tomar parte e agir como cidadãos de fato e não massa manipulável. Precisamos debater política com seriedade e promover o efetivo exercício de um autogoverno.

Considerando os tempos difíceis na luta pelos direitos humanos, a dificuldade de estabelecer a laicidade do estado e o risco de vermos direitos conquistados com muita luta e suor serem extirpados, é que recomendo a leitura desse livro – terminando esta reflexão/diálogo com uma última citação: A história não obedece a leis imutáveis, a Providência não decide quanto ao nosso destino. O futuro depende das vontades humanas.”

* Os Inimigos Íntimos da Democracia, de Tzvetan Todorov (Cia das Letras, 2012)
* Esse texto foi publicado originalmente no Portal Blumenews, de Blumenau, onde a autora é colunista; e no Portal Desacato.info, de Florianópolis.