quarta-feira, 10 de julho de 2013

Os Últimos Soldados da Guerra Fria


Capa do Livro (foto: reprodução)
Esse livro chegou às minhas mãos pelo colega e amigo Nilton, que instigou a minha curiosidade sobre a história dos agentes secretos infiltrados por Cuba em organizações de extrema-direita nos Estados Unidos, especialmente as anticastristas, a fim de evitar novos ataques patrocinados por estas organizações contra a Ilha. É uma história real, mas com ‘peripécias dignas dos melhores romances de espionagem’.

O momento foi quando Cuba buscava minimizar a crise econômica através do incentivo ao turismo, logo após a queda da União Soviética (1991), seu principal parceiro comercial. É que, desde 1962, após a Revolução (1959), Cuba passou a sofrer embargo econômico imposto pelos EUA, que também proíbe outros países que mantêm relações com os Estados Unidos de estabelecerem relações comerciais com Cuba. O embargo é condenado pelas Nações Unidas e até mesmo por tradicionais críticos do regime socialista de Cuba.

O jornalista Fernando Morais, munido de documentos, fotos, notícias de jornais e relatos dos próprios protagonistas e testemunhas, nos mostra o outro lado da história, aquele não divulgado pela mídia, como os 127 ataques terroristas sofridos pelos cubanos na Ilha, com invasões do espaço aéreo para jogar pragas nas lavouras cubanas e interferências nas transmissões da torre de controle do aeroporto de Havana, além de atentados à bomba nos hotéis cubanos, a fim de afugentar os turistas. Tudo patrocinado e realizado por dezenas de organizações de extrema-direita sediadas nos Estados Unidos, mais precisamente em Miami.

O livro também revela a participação de mercenários da América Central na participação de ataques contra Cuba. Como exemplo, temos a história do salvadorenho Cruz León, contratado pelas organizações anticastristas, e que por ser fã Sylvester Stallone, envolveu-se nos ataques para viver aventuras semelhantes às representadas por seu ídolo. Por isso, teria aceitado uma missão quase suicida: colocar bombas em hotéis e num restaurante em Havana por US$ 1.500 cada uma. Segundo o autor do livro, “Os mercenários centro-americanos não conheciam a situação cubana, nem sabiam o que estava em questão”.  Ao contar sua história ao autor do livro, Cruz León explicou o que o moveu a ajudar os anticastristas: “Eu ia pôr bombas num país que nem sabia qual era, voltaria para casa e iria para a cama com a Sharon Stone. Me senti um espião. Me senti o máximo”. Acabou descoberto e condenado à morte em Cuba, mas depois teve sua pena substituída por 30 anos de prisão.

Desse exemplo, podemos constatar a força da propaganda política dos filmes norte-americanos, principalmente sobre a guerra do Vietnã. São filmes aparentemente ‘tolos’ e ‘inocentes’, mas que durante décadas construíram a opinião pública contra o Vietnã, Coréia e mais recentemente o Iraque e Afeganistão. Estes filmes, além de fazer com que cidadãos americanos tivessem uma opinião favorável à manutenção da caríssima política de guerra sustentada por seus governantes, ludibriaram espectadores de outros países, como Cruz Léon, especialmente aqueles que os EUA exerciam influência política, econômica e cultural, financiando governos militares e ditatoriais como na América Latina e diversos países do continente Africano. Interessante seria saber quem financiou estes filmes, e não nos espantaria se a indústria de armas e afins constasse entre os patrocinadores, ainda que indiretamente. Essa mesma propaganda política é feita contra Cuba, por meio dos seriados policiais ambientados em Miami, mas principalmente pela mídia estadunidense, copiada e repetida pela mídia brasileira.

Apesar das várias reclamações oficiais de Cuba aos EUA sobre os atentados sofridos, inclusive em carta entregue em mãos por Gabriel Garcia Marquez a Bill Clinton, nenhuma medida foi tomada a fim de evitar novos ataques, nem mesmo pelas organizações internacionais. Diante disso, é que Cuba decidiu criar a Rede Vespa, um grupo de agentes de inteligência cubanos que teve como missão se infiltrar nessas organizações a fim de antecipar a informação de novos ataques à Ilha, evitando que os mesmos acontecessem. Os espiões conseguiram, assim, impedir uma série de ataques, até que foram pegos pelo FBI, em 1998.

Um dos agentes designados para se infiltrar nas organizações anticastristas, 
na Flórida, a fim de antecipar informações para evitar novos ataques à Cuba.

Cinco agentes da Rede Vespa foram condenados em Miami por conspiração para espionar, conspiração para assassinar, entre outros, num julgamento cuja condução foi alvo de muitas críticas internacionais. A Anistia Internacional também criticou o tratamento prisional dado aos cubanos, como a proibição de visita das esposas de dois dos agentes. Oito vencedores do Prêmio Nobel já escreveram uma carta para o Procurador Geral dos EUA pedindo a liberdade para os cinco cubanos, dentre eles José Saramago.

Esse livro também nos faz refletir sobre os motivos que levaram e ainda levam os EUA a manter o cruel embargo econômico contra Cuba. E um deles certamente não é a luta pela democracia, eis que esse mesmo país defendeu e bancou a cruel ditadura de Fulgêncio Batista em Cuba, patrocinou o regime militar no Brasil e muitas outras ditaduras ao redor do globo.

Sim, muitas violências foram cometidas pelo regime cubano, inclusive algumas são mencionadas no livro. Mas o que dizer das imposições incutidas dia a dia pela mídia, plantando concepções políticas muitas vezes baseadas em fatos dissociados da realidade, tudo em nome do capital voraz, que nos vê apenas como consumidores e não seres humanos; que nos vê como cidadãos servis e autômatos; que só vale o ter, em detrimento do ser e saber?

* Os Últimos Soldados da Guerra Fria, de Fernando Morais (Companhia das Letras, 2011).

* Esse artigo foi publicado no Portal Blumenews, de Blumenau.

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