quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Blumenau, uma cidade sem alma


Antes que muitos levantem seus cajados e atirem pedras, tenho a dizer que o título que leva esse artigo não foi dito por mim. Foi por um francês, que trabalhou por muitos anos na Alemanha, mas hoje mora na fronteira com a Suíça e esteve aqui na cidade no início deste ano (janeiro/2013). Veio até Blumenau a convite de uma amiga; e, passeando por aqui, disse que não entendia o porquê dessa paranóia da cultura alemã - se a essência dessa cultura vem sendo demolida e arrancada. Perguntou também onde estariam os jardins, as praças, os parques, as sombras e as árvores da cidade. Ao visitar a Vila Germânica, questionou porque Blumenau quer ser algo que ela não é. 

As perguntas são difíceis de responder, mas foram essas as questões que me motivaram a escrever esse artigo. 


Enxamelóide Blumenausense. Foto: divulgação

Fazendo uma breve análise do cotidiano blumenauense, fica difícil dizer que ele não tenha razão. Blumenau enche a boca de orgulho pra dizer que tem famosos eventos turísticos regados a cerveja e chopp, mas parece não ter muita sede de cultura, arte ou mesmo de lazer, que não seja aquele amortecido pelo álcool. Os investimentos públicos em arte e cultura na cidade ainda andam a passos lentos e dormentes. A maior parte dos incentivos são dados para manter uma hegemonia da identidade alemã, que já não se justifica mais dentre tantas outras. Sem falar nos empresários blumenauenses, que não contribuem sequer pela lei de mecenato, mesmo não lhes causando qualquer prejuízo financeiro, eis apenas direciona os impostos para atividades culturais da sua cidade. 

E o que dizer das atividades de lazer? Numa enquete feita por um jornal local, ao perguntar ao leitor blumenauense se concordava com a rota de lazer todos os domingos, a quantidade de resposta ‘sim’ venceu por 62%, mas me assusta saber que 38% não concordavam. É que aqui uma boa parte do povo entende que atividade de lazer não pode atrapalhar a rotina de trabalho, o trânsito de veículos e que já está bom demais dar algumas voltinhas de carro nos shoppings. E muita fluoxetina para parecer feliz!

Na nossa cidade, as prioridades são os incentivos à construção de shoppings que não trazem qualidade de vida, mas geram ainda mais consumo; são as abarrotadas construções de prédios no centro e de pontes e mais pontes para desafogar o trânsito – mas que vai estimular a compra de veículos e entupir ainda mais o nosso centro urbano; não só de carros, mas também de água, muita lama e esgoto com qualquer chuvinha que cair. Os passeios públicos se restringem às calçadas, muitas delas mal feitas, estreitas e com buracos, sem esquecer que a obrigação de cuidar desse espaço é do proprietário, o mesmo que também reclama dos buracos nas ruas (o governo reflete o povo e o povo reflete o governo).

Mas o atraso e a cegueira por um punhado de dinheiro é tanta, que não se percebem os exemplos de mudança em outros mundos: cidades como Boston já estão retirando viadutos e em seu lugar colocando parques. Em Nova Iorque e Londres, estão fechando ruas para os carros, priorizando os espaços para passeios públicos. Na Alemanha, foi projetada a construção da primeira rodovia de uso exclusivo para o trânsito de bicicletas. No Rio de Janeiro, estão construindo túneis para interligar bairros e todos eles prevêem ciclovias seguras. Mas em Blumenau, para manter áreas verdes e os espaços mais humanizados, priorizar áreas para o lazer e construir ciclovias, o discurso sempre foi a falta de recursos. Mas verbas pra construção de novas pontes... sempre tem.

Também não se cogita implementar alternativas voltadas à restrição do uso indiscriminado de veículos na região central, como já vem ocorrendo em muitos países e cidades. Em Londres, Milão, Estocolmo, Sydney, Cingapura e Santiago, por exemplo, a circulação na região central é taxada (pedágio) e o dinheiro é revertido em investimentos no transporte coletivo barato e constante. Em alguns desses lugares foram feitos bolsões de estacionamento fora da cidade e quem estaciona ali paga preços módicos e ganha a passagem de ida e volta ao centro. 

Americanos e europeus estão aprendendo a viver sem carro: em Manhattan, não há mais estacionamentos; em Munique (Alemanha), novos prédios só podem ser construídos SEM garagem. Medidas como essas têm estimulado investimentos em transporte público de qualidade. Mas aqui, insistimos num projeto de progresso atrelado a prédios com 2, 3 até 4 vagas de estacionamento por apto, pontes, viadutos e tudo SEM investir em transporte público de qualidade - ideias de um passado já condenado, mas que vence pelo temor de perder apoio financeiro e votos nas eleições, aliado ao imenso lobby das montadoras.



Em Nova Iorque, projeto prevê redução do espaço para automóveis e aumentos dos passeios públicos,
com mais espaços para pedestres e inclusive para mesas de restaurantes e cafés.
Fonte: http://vadebici.wordpress.com/

De novo em Nova Iorque, em plena Times Square, espaço removido dos automóveis
e transformado em ciclovia: Fonte: http://vadebici.wordpress.com

No bairro Hackney, em Londres, rua é fechada para carros e transformada em ciclovia,
sem alteração nenhuma na estrutura, apenas instalando barreiras para os carros.
Fonte: http://vadebici.wordpress.com/

Além disso, o nosso turismo não vive de mostrar a cidade real cotidiana. Atração turística, aqui, são aquelas criadas especificamente para iludir os turistas, maquiando Blumenau de cidade ‘alemã’. Gastaram horrores com a criação de uma ‘vila germânica’ de mentirinha, e no centro já deram incentivos fiscais para quem fizesse a montagem daqueles enxaimelóides para ingleses e tantos outros verem... a nossa cultura alemã de plástico. Mas não se interessaram em preservar seu patrimônio histórico: as casas antigas pouco a pouco foram demolidas na calada das noites, sob o silêncio e a conivência daqueles que deveriam impedir. Não conseguem perceber que o turismo interessante é aquele que mostra o dia a dia da cidade original: como em Ouro Preto, Mariana e Recife antigo, com seu conjunto arquitetônico preservado; o Rio de Janeiro com suas casas da Lapa e Santa Teresa; em Porto Alegre com seus prédios antigos e tantos outros lugares da Europa.

Pra dizer que a cidade tem ‘parques’, construíram espaços com pouco mais de meia dúzia de árvores e o maior deles tem até lagoa artificial. Pra dizer que a cidade tem ciclofaixas, pintaram algumas calçadas de vermelho, disputando o escasso espaço com os pedestres (e não evitando os atropelamentos). 

E assim a cidade vai sendo maquiada e plastificada, buscando uma ‘bela’ aparência, tal como a socialite e suas infindáveis plásticas com um resultado tão artificial que muitas vezes beira ao monstruoso. Investe-se na vaidade da aparência e abandona-se a originalidade da cidade. Deixa-se à míngua os grupos de teatro e arte, mas não sem exaltar o pioneirismo de Roese Gaertner. Exalta-se um passado, mas se perde no presente. Lendo esses dias uma breve passagem do prólogo de ‘O último leitor’, de Ricardo Piglia, um trecho invariavelmente me fez lembrar Blumenau: ‘A diminuta cidade é como uma moeda grega submersa a brilhar sobre o leito de um rio à última luz da tarde. Não representa nada, somente o que se perdeu. Está ali, fechada, mas fora do tempo, e possui a condição da arte; desgasta-se, não envelhece, foi feita como um objeto precioso que comanda o intercâmbio e a riqueza.’ Nossa cidade está num limbo: num passado-cenário, com ares de modernidade. 

Blumenau não consegue perceber que uma cidade só é boa para o turista se for boa para o seu cidadão. Que as áreas verdes e espaços de mobilidade mais humanizados, são elementos cruciais para a boa qualidade de vida e para tornar a cidade mais agradável para se viver, ainda que dentro de um ambiente extremamente artificial que já se transformou. 

Ainda temos tempo de reverter esse ‘crescimento’ de prédios centrais, asfalto, pontes, viadutos e concreto. Mas depende de nós, cidadãos, exigir qualidade de vida e recuperar um pouco a alma de Blumenau. Precisamos ter mais envolvimento com movimentos, coletivos e entidades voltadas a essas prioridades. Como bem disse minha amiga, a jornalista Marta Raldes: “Vamos assumir responsabilidades. Enquanto Blumenau não enxergar ‘um palmo além do bolso’ não compreenderá o significado de representatividade, força política, consciência política, cidadania, mobilização, atitude.... práticas estas imprescindíveis para que algo aconteça. Sem isso, só sai shopping!”

O anônimo estrangeiro, autor do título desse artigo e que sentenciou nosso epitáfio, finalizou suas impressões dizendo que não achou a cidade parecida com nenhum lugar da Europa: achou tudo muito artificial, sem vida, sem cor. Pois então... Será que os cidadãos não conseguem perceber que a cidade há muito tempo perdeu sua alma? Que só conseguem (sobre) viver para o trabalho e seguem a lógica de que tudo que foge à rotina casa-trabalho-shopping-casa não pode e não deve crescer, pois foram treinados para uma servidão voluntária: trabalhar e trabalhar, para consumir e consumir, sem nada refletir. 

Mas ainda há tempo de pensar e se articular para mudar. Só que não muito. 




Concreto tédio

Tudo acaba em prédio
O terreno
O meu tédio
Em todo canto
Em tudo que sinto
Cimento, concreto
Mais um prédio subindo
Não vou me assustar
Se acordar
E ter um prédio
Em meu lugar

(Fernanda Tatagiba)




* Esse artigo foi publicado no Portal Desacato, de Florianópolis; no Portal Blumenews, de Blumenau e no Jornal de Santa Catarina.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Bate-papo com a cidadã mais ilustre de Buenos Aires


Era um dia de chuva, mas de jeito nenhum eu ia desistir. Peguei um ônibus em direção a ‘San Telmo’, munida de mapa pra conhecer a cidadã mais ilustre de Buenos Aires.

Foi tão difícil encontrar essa menina, que cheguei a crer que estava brincando de esconde-esconde comigo. Perguntamos dali, perguntamos daqui, até que parei na padaria para um descanso e um café. Quando sentei, olhando a chuva lá fora pela janela, finalmente a vi. Estava sentada num banco da praça, observando atentamente as pessoas que por ali circulavam. Seus pés suspensos no banco, com o mesmo jeito de moleca das tirinhas do Quino.
  

‘Mafaldaaaaaaa!’ – Chamei-a bem alto, para que não sumisse. Corri e sentei ao seu lado, curtindo as gotinhas de chuva por uns minutos. Foi quando perguntei:

‘Menina esperta, de onde você tirou essa sua visão de mundo e do ser humano?’

‘Eu não sei, Sally. Mas gosto de observar as pessoas e não entendo o porquê delas fazerem tanto mal ao mundo e a si mesmas. Se pensassem mais com o coração, com certeza poderíamos construir um mundo melhor. Eu só digo o que sinto e reflito.’

‘Mas como fazer com que as pessoas vejam e sintam o mundo dessa forma?



‘Ah Sally, estou há cinqüenta anos tentando fazer isso, mas parece que a cada dia as pessoas se tornam mais alienadas e individualistas. Mas eu não desisto! Basta uma só pessoa prestar atenção no que falo, que terei ajudado a mudar um pouco o mundo!’

‘Mafalda, eu te amo! Só espero que muitos de nós acordemos e sejamos mais coração com o Outro e com o Mundo. Só discordo de ti numa coisa...’

‘No quê, Sally?!’

‘Eu adoro sopa! Num dia de frio, então! Bem temperadinha é sempre uma delícia!’

‘Eca!’ - disse a garotinha,  saindo e correndo pelas ruas de San Telmo.


* Esse artigo foi publicado no Portal Desacato, de Florianópolis e no Portal Blumenews, de Blumenau.