quinta-feira, 31 de outubro de 2013

OPINIÃO: A crítica libertada


Uma paródia à OPINIÃO DA RBS:  “A crítica sufocada”, 
publicada no SANTA de 31/10/2013*

O governo argentino ganhou muito na luta contra o monopólio da mídia ao enquadrar o Grupo Clarín na chamada Lei de Meios, agora com o aval da Suprema Corte do país. Na legítima pretensão de democratizar os meios de comunicação, a legislação estrutura e fortalece a liberdade de expressão, eis que o principal grupo do país que detém hoje o monopólio da comunicação passará a ter que disputar e aceitar que outras empresas de comunicação tenham o direito de (in)formar opinião, tanto a favor, como contra o governo e interesses da Casa Rosada.

Esse avanço segue a lógica de regimes que desejam conviver com a liberdade de expressão. Por isso, a situação argentina não pode ser vinculada num contexto de democracias autoritárias, seja de qualquer país do mundo, ainda que meios de comunicação monopolistas utilizem de artifícios falaciosos para ludibriar e vender essa notícia como golpe. A concorrência do setor na Argentina (como no Brasil) tem sido alcançada pelas novas mídias virtuais e tentam desafiar modelos consagrados, mas encontram dificuldades financeiras e sofrem com falta de estrutura para produzir e transmitir informação, situação bem diferente das empresas que detém o monopólio da comunicação.

O grupo Clarín, numa tentativa desesperada, avalia recorrer a cortes internacionais como último recurso para manter o seu monopólio. A tentativa de democratizar a imprensa e os meios de comunicação certamente vai provocar prejuízos econômicos a grupos empresariais monopolistas como esse, mas garante ao povo o acesso à informação de todas as vertentes políticas e garante a todas as mídias, inclusive virtuais, a sobrevivência e liberdade de atuação em pé de igualdade com quem hoje detém monopólio. Isso deveria acontecer no Brasil também.




Esse artigo foi publicado no Portal Desacato, de Florianópolis e no Portal Blumenews, de Blumenau.

sábado, 26 de outubro de 2013

Pedala Gaspar!


Foto: Jornal Metas, de Gaspar.
Os benefícios da bicicleta são indiscutíveis, tanto para o cidadão, quanto para a cidade. Pessoas adoecem porque comem mal e não se exercitam. Andar de bicicleta previne doenças, instiga alimentação saudável e reduz gastos com saúde pública. Também reduz o trânsito e a necessidade desenfreada de investimento público em obras de ampliação e abertura de novas vias, além mitigar a poluição sonora e do ar, contribuindo para o bem-estar de todos.

O que citei acima não é novidade para ninguém. Estranho é que essas palavras tenham que ser repetidas tantas e tantas vezes. Mas esta fórmula não é o verdadeiro segredo da paixão pela ‘magrela’. Como todo caso de amor, cada um tem sua história, posso falar da minha com intimidade, mas nas confidências entre ciclistas sei que muitos fatos que se repetem.

O primeiro prazer é o vento no rosto, sentir na pele a memória da infância e no presente a liberdade. Sentir que naquele momento em que você está pedalando: o tempo, a vida, os pensamentos são apenas seus; é um instante de encontro consigo. O segundo prazer é redescobrir sua cidade ou outras cidades por onde for andar. O carro, como uma prisão, faz-nos esquecer os pequenos detalhes da rua onde passamos a infância, o caminho da escola que percorremos todos os dias. A bicicleta nos devolve o direito à cidade, o prazer de contemplar uma pequena flor ou um detalhe despercebido da arquitetura, ou ainda, o cotidiano de nossos vizinhos ou daqueles que vivem no campo, o cuidado com a horta, com o gado, etc. Simplicidades do cotidiano que a rotina de trabalho nos surrupiou.

As amizades são o terceiro grande prazer! Depois de um tempo de pedal, você perceberá que as amizades em torno da bike são diferentes, pois muitos deles tendem a ter um posicionamento sobre políticas públicas para a mobilidade urbana e o bem viver de todos. O cuidado com o corpo e a alimentação são motivados pelo ideal de uma vida mais saudável e não por modismos ou pressões para ter um corpo idealizado pelo mercado. Andar de bike não tem a tortura do fitness, é um estilo de vida que idealiza o bem-estar pessoal, o prazer do reencontro com a natureza e com os amigos.

Quer dizer, o incentivo ao uso da bike no cotidiano torna os cidadãos mais felizes. Mas para isso, o incentivo ao uso da bicicleta precisa ser pensado e implementado como política pública municipal, com criatividade para otimizar os investimentos que certamente vão ter retorno garantido a curto e médio prazo. Precisamos criar um sistema de ciclovias interligadas aos bairros, também com rotas escolares. Gaspar tem um território imenso para implementar ciclorrotas, que muito contribuirão para o lazer da população da cidade.

Andar de bicicleta humaniza os espaços urbanos e contribui para a qualidade de vida. Carros são ilhas como redomas, habitados por pessoas que ficam indiferentes ao mundo externo. Quando ando de bike e encontro outros ciclistas (que se multiplicam dia a dia), percebo a cumplicidade no olhar e na atitude. Sinto o vento soprando instantes de liberdade. Quando ando de carro, eu não vejo pessoas. Eu vejo carros, placas, semáforos e muita poluição. Quando ando de carro eu não conheço a cidade, só presto atenção no trânsito caótico pra não bater. Andando de bike eu me sinto livre: vejo casas e pessoas, árvores, plantas e flores. Eu vejo vida. Vem pedalar, também!

Esse artigo foi publicado no Caderno Especial "Vá de Bike" do Jornal Metas, de Gaspar. O caderno também traz um desafio intermodal (carro e bike), dá dicas de bike, conta um pouco da história das rodas de bicicleta, fala sobre o ativismo junto à ABC Ciclovias, entre outras matérias. Para acessá-lo na íntegra, seguem os links: 
http://www.adjorisc.com.br/jornais/jornalmetas/especiais/va-de-bike 
http://jornalmetas.com.br/bike/pdf.pdf

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Visita ao prefeito

(crônica de autoria do ciclista e colega 
advogado André Jenichen)

Foto: Marcelo Martins (www.blumenau.sc.gov.br)
Curiosamente, hoje de manhã eu acordei mais cedo do que o habitual. E como estava adiantado no horário, resolvi aproveitar o tempo para fazer uma visita de cortesia ao prefeito. Chegando ao paço municipal, fui atendido de imediato, e com enorme simpatia. Aproveitei para questionar-lhe sobre a campanha, como foi sua eleição e, principalmente, quais foram suas propostas e promessas durante a disputa eleitoral. Percebi que o sorriso do prefeito sumiu logo após minhas perguntas. Na verdade, ele ficou atônito com as indagações. Mas, como bom orador que é logo se recuperou do susto e prosseguiu o discurso. O chefe maior da cidade disse-me: meu caro amigo, - sim, somos amigos, imagino eu! -, eu não fiz promessa alguma durante a campanha. Não precisei deste expediente. Como assim, prefeito? Agora quem não está entendendo nada sou eu, amigo prefeito. Em pleno embate político, o senhor não prometeu nada, nenhuma obra, nenhum feito extraordinário? Como isto é possível? Como se elegeu, então? Percebendo, ele, o meu assombro diante de sua resposta, nosso querido prefeito prosseguiu: André, sente-se aqui, eu vou lhe explicar!

Estávamos no salão nobre da prefeitura municipal. Ao nosso lado, havia uma estante de onde o senhor prefeito retirou um belíssimo livro. Postando-o sobre a mesa, o prefeito prosseguiu. Em nossa cidade, André, não precisamos prometer nada para nos elegermos. E continuou. Aqui nós temos este magnífica obra – o livro [uma espécie de plano diretor da cidade] -, que foi esquematizado há muitas décadas. Neste verdadeiro manual, constam todas as informações e recomendações que devemos seguir. Abrindo o livro, ele passou aos exemplos: hoje, nossa cidade tem aproximadamente 350 mil habitantes. Quando chegar nos 370 mil, eu já deverei ter concluído as obras de mais 3 creches, 2 postos de saúde e 1 escola no bairro “x”, pois, de acordo com o planejamento urbano, para lá será o crescimento da cidade. Mas não é só, continuando sua oratória: chegando aos 400 mil habitantes, o crescimento ordenado e planejado da cidade me diz que deverão estar prontos o novo hospital no bairro “y”, e a ampliação da escola municipal “z”, além da implantação dos corredores de ônibus e ciclovias, a fim de garantir a mobilidade urbana, de qualidade e com toda a segurança possível.  Ah, e por força do que está escrito neste manual, deverei ter concluído mais duas praças públicas para assegurar locais seguros e de lazer aos munícipes. No mais, devo manter em funcionamento a cidade. Garantir a assistência às famílias, escolas, postos de saúde, etc. Percebe, agora, por que não prometi nada, nenhuma obra extravagante? Basta o compromisso de seguir os projetos já executados. Dar continuidade ao planejamento da cidade. Sem margem para ciúmes ou picuinhas políticas. E isto é sinônimo de economia ao erário e de tempo, além de conferir segurança jurídica aos munícipes, empresários e futuros empreendedores. Brilhante! Fantástico! Estava prestes a cumprimentar o prefeito quando, de súbito, meu despertador soou. Acordei. Para minha decepção, tudo não havia passado de um sonho. Mas, como diria nosso poeta maior “menor do que meu sonho eu não posso ser”. Em tempo: para os que pensam que isto seria utopia, não é não! Incontáveis cidades espalhadas pelo mundo afora são administradas desta forma, principalmente, cidades alemãs!!

André Jenichen


sexta-feira, 11 de outubro de 2013

O terrorismo de Estado e a reinvenção do AI 5


Por Sally Satler, advogada e
procuradora municipal


Há um passado que não passa, que se renova e se desdobra como farsa, sempre, e caricaturalmente agora. (Adriano Pilatti, jurista e professor, sobre a edição de normas repressivas para justificar o autoritarismo estatal nos manifestos).


Alguns textos/editoriais de jornais como “O Globo”[1] (que apoiou a ditadura e por esses tempos pediu desculpas como estratégia de marketing) e alguns jornais locais, afiliados a mesma rede, não poderiam ter outro assunto esse mês que não fosse a defesa de atos e normas autoritárias contra o ‘vandalismo’ dos manifestantes de rua. A retórica utilizada por esses meios de comunicação chega a ser vergonhosa, com títulos como “Reação ao Vandalismo”[2], omitindo descaradamente que a reação, de fato autodefesa, parte dos manifestantes logo após a violência e truculência iniciada por policiais.

Não bastasse o disparate da polícia usar a lei de segurança nacional[3] (criada sob os auspícios da ditadura militar) para justificar as recentes e arbitrárias prisões de manifestantes[4], encontra-se tramitando em regime acelerado no Congresso Nacional o Projeto de Lei 728/2011, que define, entre outros, o crime de terrorismo durante a Copa do Mundo. Fazendo uma breve leitura do Projeto, não há dúvidas que a redação genérica abre possibilidades de criminalização também dos movimentos sociais. Diversas expressões contidas no art. 4º, como “provocar ou infundir terror ou pânico generalizado”, “por motivo ideológico, religioso, político” para definir o crime de terrorismo na copa, abre muitos espaços para sua aplicação.

Vejamos, por exemplo, a interferência midiática em manifestos: se a mídia passa a disseminar o medo, causando apreensão e pânico, será fácil qualificar um manifestante como terrorista. Além disso, a não exclusão expressa das manifestações de movimentos sociais como ato de terrorismo coloca em perigo toda a luta democrática no Brasil. Outro exemplo foi a recente manifestação dos professores da rede municipal do Rio de Janeiro, que começou pacífica e terminou com confrontos e depredações, causados especialmente pelo abuso da força policial. Isso tudo, somado à impunidade desses abusos, dá um alvará para que o policial se sinta livre para agredir gratuitamente os manifestantes e ainda puni-los com o rigor da lei (lembram quando um capitão da PM disse que tinha jogado gás de pimenta porque quis em um manifestante?). A pena prevista para o crime de ‘terrorismo’ na copa é de 15 a 30 anos de reclusão e, se for praticado contra coisa (bens), a reclusão é de 8 a 20 anos, superando até o crime de homicídio previsto no Código Penal, de 6 a 20 anos.

PM mostra cassetete e faz menção debochada a 
professores manifestantes: “Foi mal fessor!”
(Foto: Reprodução / Facebook / Tiago Tiroteio)

Por que isso não nos surpreende? Em recente palestra no Fórum Permanente de Direitos Humanos no RJ, o professor Adriano Pilatti fez os seguintes questionamentos: “Por que temos tanta facilidade em defender caixas eletrônicos e temos uma grande dificuldade de olhar para um barraco e ver ali a propriedade inviolável? Por que é que se pode remover centenas, riscar comunidades do mapa, pra fazer negócio e nada acontece? Porque a vida, a dignidade humana vale menos que o capital voraz de empreendimentos imobiliários ou um evento de copa do mundo?” [5]

Não há dúvidas que esse projeto de lei possui claramente pretensões intimidatórias e de silenciamento, tal como num regime de exceção, lembrando muito o famigerado Ato Institucional no. 5. E é nossa obrigação lutar contra a sua aprovação: pelo direito de manifestar-se, pelo direito de expressão e de locomoção. Pelo direito de lutar.




[1] Jornal O Globo (10/10/2013): ‘Secretário quer proibir que detidos por vandalismo voltem a atos em SP’: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2013/10/10/secretario-quer-proibir-que-detidos-por-vandalismo-voltem-atos-em-sp-511595.asp

[2]Jornal de Santa Catarina (10/10/2013): ‘Reação ao vandalismo’: http://www.clicrbs.com.br/jsc/sc/impressa/4,185,4295755,22922

[3] Segundo o jurista Dalmo Dallari, a lei de segurança nacional só poderia ser usada em três situações: quando expõe a perigo a integridade territorial e a soberania nacional, o regime democrático ou quando atinge os chefes dos Poderes da União; e em nenhum desses casos os manifestantes se enquadram.

[4] Inúmeras prisões já foram efetuadas com base na lei de segurança nacional. Segundo a Rádio Band News FM, na madrugada do dia 11/10/2013 houve uma força-tarefa para efetuar prisões políticas em casas de manifestantes e de participantes de movimentos sociais no Rio de Janeiro. Para saber mais, acesse a nota pública divulgada pelo Coletivo Mariachi, no facebook, assinada por diversas organizações e movimentos sociais: http://www.facebook.com/coletivomariachi/posts/315936528546205:0

[5] Em palestra proferida no Fórum Permanente de Direitos Humanos-- EMERJ - 26-9-2013: “Direito à Manifestação, Democracia e Garantias Constitucionais”. Acesse: http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=b_PsRlhJe8Q


* Esse artigo foi publicado no Portal Desacato, de Florianópolis.

domingo, 6 de outubro de 2013

Ruas livres, corpos livres

Faz alguns anos que Blumenau já não possui mais aquela aura de prazer e tranqüilidade quando caminhamos pelas ruas centrais e de bairros próximos. O barulho do trânsito, buzinas e sirenes, a poluição tomando conta, a invasão da publicidade, a impaciência dos motoristas, a violência, estão minando, pouco a pouco, a convivência das pessoas nas ruas e passeios públicos, que passaram a se enclausurar em shoppings e centros comerciais.

A ideia dos arquitetos contemporâneos de que a arquitetura poderia modificar a sociedade parece ter se tornado utopia, eis que suas proposições são constantemente ignoradas e rechaçadas pelo poder econômico (leia-se: mercado imobiliário) e político. Henri-Pierre Jeudy e Paola Jacques, no livro ‘Corpos e cenários urbanos’ ilustram bem a situação ao afirmarem que “As cidades, no contexto de um mercado globalizado, assim transformadas sobretudo devido ao turismo, tornaram-se imagens espetaculares, outdoors, imagens sem corpos, espaços desencarnados, simples cenários”.

Toda essa transformação acabou por distanciar as pessoas, a convivência nas ruas já não é algo comum. Não vemos mais crianças jogando bola, soltando pipa, brincando de esconde-esconde, ou pessoas sentadas em suas varandas observando e conversando, nem mesmo a vizinha fofoqueira na janela flagramos mais! As ruas, mais vazias de pessoas e cheias de máquinas e asfalto, viraram sinônimo de medo: o medo de ser atropelado e o medo de ser assaltado são rotinas também em Blumenau.

Mas o que podemos fazer? Daniela Brasil, no livro “Os espaços públicos nas políticas urbanas”, nos dá algum sinal: “Se pensarmos que as cidades são materiais e imateriais, que são feitas de situações, encontros e práticas, atuar e interferir em espaços vividos pode ser mais efetivo do que desenhar e planejar espaços físicos”. Por isso, ela nos propõe uma apologia ao micro-urbanismo e aos pequenos gestos cotidianos, não sendo necessário “esperar por reuniões intermináveis, decisões excludentes e financiamentos astronômicos, passíveis de desvios e negociações corruptíveis.” Pequenos gestos e ações abrem possibilidades e criam novos espaços.

Em Blumenau também é possível criar espaços de convivência sem depender exclusivamente do poder público. Uma ação, barata e simples, seria iniciar na rua Curt Hering (dos correios) uma feirinha aos domingos com sebos e brechós, propondo a troca de objetos e incentivando a abertura dos cafés já instalados ali. O jornalista Leo Laps me confidenciou e imaginou a possibilidade de encontros aos domingos para trocas de discos e livros, com músicos divulgando seus trabalhos. Quem sabe outras trupes também se encorajam e ocupam o espaço para partilhar sua arte! E em quantas outras ruas, nos demais bairros, isso é possível fazer? Vizinhos podem se reunir e repensar o espaço de convivência no seu bairro, sem precisar esperar pelo poder público.


Brique da Redenção - Porto Alegre

Brique da Redenção - Porto Alegre

Precisamos reocupar as ruas, torná-las novamente um espaço de prazer, convivência e lazer. Com o tempo e a demanda criada, talvez a Prefeitura finalmente consiga perceber a necessidade de fechar permanentemente uma rua como a Curt Hering, tornando-a um passeio público convidativo para as pessoas.

Afinal, não precisamos de corpos de bronze e estátuas de cimento frias, espalhadas pela cidade. Precisamos é de corpos humanos nas ruas, verdadeiramente vivos, e quem sabe por alguns instantes, livres!


Rua Curt Hering, em Blumenau
  

Feirinha de San Telmo - Buenos Aires


* Esse artigo foi publicado no Portal Desacato, de Florianópolis e no Portal Blumenews, de Blumenau.