domingo, 16 de março de 2014

Blumenau e os 70 manifestantes: quem são os vândalos?


Pouco importa se foram quatro ou cinco a quebrar uma janela de ônibus e pichar outros três. Não importa se a maioria dos 70 manifestantes estava lá exigindo transporte coletivo de qualidade, para os milhares de blumenauenses que não estavam. Ou se lutavam contra as latas velhas que andam pela cidade, com prazo de validade vencido, sem ar condicionado, fazendo o povo passar um calor dos infernos, socado dentro dos coletivos. As notícias e os comentários, até mesmo dos que usam ônibus e só sabem reclamar do transporte e da passagem pela internet, são na maioria contrários a todos os 70 que estavam ali. Afinal, que tem demais os ônibus serem ruins e a passagem ter aumento maior que a inflação?

Manifestantes sentados no Terminal Fonte
Foto: Rick Latorre, via Blumenews

Foto: Rick Latorre, via Blumenews

Relatos de testemunhas, inclusive jornalistas, dão conta que um motorista tentou passar com o ônibus em cima dos manifestantes que estavam sentados na pista do Terminal Fonte, machucando alguns deles. Em retaliação, quatro ou cinco quebraram o vidro de um ônibus que não deveria mais estar circulando e costumeiramente ‘quebra’ no meio dos trajetos, além de pichar alguns outros. A partir disso, houve violência policial e pancadaria contra diversos manifestantes, mas os PM´s não contiveram ou prenderam quem pichou ou quebrou vidro de ônibus. Prenderam aleatoriamente, inclusive quem não estava envolvido no episódio. Muitos foram contra-argumentar e a polícia, treinada pra ser truculenta, atirou com balas de borracha a esmo, jogou spray de pimenta e lançou seus cães contra os manifestantes; inclusive numa menina, estudante secundarista da metade do tamanho dos policiais. Foram atingidos não só os manifestantes que não tinham nada a ver com depredação, mas também os que estavam no terminal à espera de seu ônibus, inclusive idosos e crianças.

Estudante secundarista mordida por um cão da PM
Foto: Reprodução Facebook


Durante a ação, cobradores e motoristas, numa total demonstração de alienação política e social, bateram palmas pela atitude covarde dos policiais. Alguns jornalistas foram ameaçados. Um cinegrafista também, porque estava filmando a ação e teve que sair rápido do terminal. Fotógrafo foi agredido. Três manifestantes foram presos e encaminhados à delegacia. Alguns foram para lá e ficaram do lado de fora em solidariedade aos colegas. Dali ouvia-se gritos e pancadas que estavam sendo dadas nos detidos, inclusive num menor. Por isso, correram para a lateral da delegacia, reagindo verbalmente à ação. Foram chamados mais PM´s com cacetetes e cães para agredir a todos que estavam ali e levaram mais dois manifestantes para dentro da delegacia. Um deles teve o braço esquerdo quebrado por cacetetes da PM (com necessidade de cirurgia), levou mais cinco pontos no braço direito e ficou com vários hematomas nas costas provocado também pelos cacetetes após já estar imobilizado.

Enquanto isso, sete foram para o hospital, sendo dois com fraturas e um por ataque de um dos cães. Enquanto isso, no dia seguinte, a imprensa ‘oficial’ escrita e televisiva relata que ‘houve confronto com a polícia’ e que ‘pelo menos três ônibus que estavam no local foram danificados, mas a Polícia Militar (PM) não registrou nenhum ferido’. Ah, esses vândalos da imprensa. Ah, esses vândalos de farda! Vamos acreditar nesta versão. Não importa. Não foi com a gente mesmo, não é?

Por enquanto.


Publicado no Portal Controversas, de Blumenau e Portal Desacato, de Florianópolis.


quinta-feira, 13 de março de 2014

Um desejo de cidade no Fórum Mundial da Bicicleta


Por Sally Satler, membro do conselho
deliberativo  da ABC Pró Ciclovias.
e-mail: sally.satler@gmail.com

‘Um desejo de cidade’ é o sentimento compartilhado por todos os ciclistas, não somos apenas um grupo a reivindicar ciclovias e respeito dos motoristas, somos pessoas lutando por uma cidade como espaço de experiências. Desde a invenção do automóvel e do fordismo, artistas e filósofos[1] denunciam que o almejado progresso da modernidade tem nos usurpado o prazer de experimentar o mundo. Condenados a viver entre gestos repetitivos, entre paredes de uma fábrica ou escritório, dentro de insípidos shoppings ou ao lento ir e vir entre o frio metal e o vidro de um carro, não conseguimos mais perceber que existe um mundo a ser vivido em plenitude. Desejamos experimentar a cidade, experimentar o campo, sentir o sol e a chuva, o calor e o frio sobre uma bike que, como veículo, para além de sustentável e de mobilidade inteligente, proporciona-nos liberdade.

E é por esta razão que foi concebido o Fórum Mundial da Bicicleta. A primeira edição, em 2012, foi pensada e realizada um ano após o atropelamento proposital de um coletivo de ciclistas durante uma bicicletada/massa crítica[2] em Porto Alegre. Entre os dias 13 e 16 de fevereiro de 2014 foi Curitiba quem ganhou na diversidade de ciclistas e no colorido das bicicletas ao sediar a terceira edição, que até então só tinha acontecido na capital gaúcha. Não tivemos nenhum representante da nossa Prefeitura, em que pese ter sido convidada em dois momentos pela ABC Pró Ciclovias, mas muitos ciclistas de Blumenau estiveram no III FMB, misturando-se entre as tribos de várias cidades do país e do mundo.

Foto: Magali Moser

O evento realmente surpreendeu: a programação era totalmente gratuita, eis que foi financiado colaborativamente, via Catarse[3]. O conceito desta edição, “A cidade em equilíbrio”, teve o propósito de repensar e discutir o planejamento das cidades, trazendo idéias voltadas diretamente ao ser humano e espaços de convivência, entre exposições, palestras, oficinas, pedaladas e lançamento de livros. De Blumenau, foi apresentada a proposta de documentário ‘Vida em Trânsito’, de autoria de Diego Dambrowski, que expõe o paradoxo da ‘carrocultura’ num país ‘engarrafado’, propondo a retomada da bicicleta na mobilidade urbana. Também elegemos o catarinense André Geraldo Soares para a presidência da União dos Ciclistas do Brasil (UCB), entidade máxima do cicloativismo no país.
  
A tônica da maioria das atividades do Fórum foi a troca de experiências entre cidades do Brasil e de outros países. Na palestra organizada pelo movimento ‘Voto Livre’, de Curitiba, foi exposta a plataforma digital para apresentar projeto de lei eletrônico de iniciativa popular de mobilidade urbana sustentável, que ficará disponível e livre para outras cidades. Na feira do evento, estavam disponibilizados gratuitamente materiais sobre cicloativismo e ideias de projetos para implantação de ciclovias e também de bicicletas compartilhadas. Na Bicicletaria Cultural[4] foi realizada a oficina ‘Cartografia Poética das Trajetórias’, em que os participantes foram instigados a desenhar o seu principal trajeto no trânsito, para depois apresentar micro-narrativas das sensações, chamando a atenção para a importância de tornar o trajeto um espaço de experiências e vivências, algo extirpado na vida moderna. Muitas outras atividades (painel de economia criativa, painel de saúde, filmes sobre bicicleta) aconteciam simultaneamente e a opção por uma delas era intuitiva.

Mas todo o evento estava alinhado a um discurso: a busca de uma cidade para as pessoas. E pra isso, a bicicleta não pode ser vista somente como meio de transporte ou de lazer. Ela é instrumento de transformação da mobilidade urbana, verdadeiramente sustentável. É disso que precisamos nos convencer!


Oficina “Cartografia Poética das Trajetórias”
Foto: Carlos Roberto Pereira




[1] Como Chaplin, em ‘Tempos Modernos’, e Fritz Lang, em ‘Metrópolis’.
[2] Massa crítica ou Bicicletada (termo usado no Brasil) é um evento que ocorre em mais de 300 cidades ao redor do mundo, geralmente na última sexta-feira do mês, inclusive em Blumenau. Ela acontece quando dezenas, centenas ou milhares de ciclistas se reúnem para reivindicar seu espaço nas ruas, lutar por um trânsito mais humano e por um mundo mais respirável.
[3] Site que viabiliza o financiamento coletivo de projetos, também conhecido como crowdfunding. Consiste na busca de capital para iniciativas de interesse coletivo, normalmente financiado por pessoas físicas. Saiba mais: www.catarse.me.
[4] Espaço permanente de apoio e serviços aos ciclistas, como: estacionamento e aluguel de bikes, oficina mecânica colaborativa e até sesta em redes após o almoço. Saiba mais: http://bicicletariacultural.wordpress.com/

Artigo publicado no Jornal Expressão Universitária, do SINSEPES/FURB.